Não há época em que a cidade de São Paulo fique mais
silenciosa e vazia do que nos últimos dias do ano e nos primeiros do ano
seguinte. Já antecipando o êxodo geral, muitos estabelecimentos fecham,
aumentando ainda mais a sensação de se estar em uma “outra” cidade. Paradoxalmente
instala-se um frenesi geral para
organizar qualquer viagem que prometa a “continuidade” daquela aceleração, como
se quase ninguém pudesse ou quisesse escutar aquele silêncio. De outro lado, o tão
almejado destino da orla marítima exige
que cada um se revista de 100% de tolerância na disputa dos espaços públicos,
fato que nem sempre é computado mas muito comentado. Lembro-me que diante do
inevitável correr do calendário, anunciando sua entrada triunfal no dezembro
dos 2013, tive que puxar o freio e repensar minha agenda de compromissos. Olhei
para a pilha de livros de literatura que foram se acumulando ao lado de minha
escrivaninha, e que por teimosia eu ali deixava, como a me cobrar por não lhes
dar outra atenção senão a de namorá-los de vez em quando com vontade de lê-los.
Sem a avidez de outrora que teria me forçado a selecionar ao menos três, decidi
escolher apenas um, separando-o para o meu final de ano. Pude com isso passar
meu mês de dezembro desejando que ele chegasse ao fim para que enfim eu pudesse
ler o livro daquele angolano simpático que mora desde pequeno em Portugal e que
cá esteve em 2011 para participar da FLIP e fazer discursos amorosos para o
nosso país. Valter Hugo Mãe, 41 anos, surpreende não só pelo nome diferente,
mas pela agudez e sensibilidade com que fala sobre nós, seres humanos que
somos. “a máquina de fazer espanhóis”, escrito assim em minúscula como todo o
livro, é a aventura de um tal antónio silva, um senhor de 84 anos que ingressa
num lar de idosos após a morte de sua esposa e desesperado por esta perda e
pelo novo destino se põe a nos relatar sobre o (seu) viver e o (seu querer e
não querer) morrer. Em entrevistas a várias mídias no brasil, valter hugo teve
que se explicar sobre as minúsculas e sua resposta me tocou. Com uma percepção
que impressiona sobre o sentido de nossa “passagem” pelo mundo, as letras
minúsculas estariam a serviço de um ponto de vista que nos iguala como seres,
nosso instinto de sobrevivência, que de certa maneira nos põe a andar para
frente. É assim, de forma simples, mas muito esclarecedora que este autor ainda
jovem consegue colocar em palavras o que cada um de nós sentimos, mas nem
sequer conseguimos pensa-lo. E, ao contrário de muitos escritores que escrevem
para “sobreviver”, vater hugo parece apreciar as pessoas comuns e ter grande
curiosidade pelas convicções populares, a maneira como contamos nossas
histórias, como inventamos, acrescentamos e nos alimentamos de verdades e
fantasias. Sem querer que o livro se acabe, percebo que não basta entendermos cada
vez mais como funcionamos e principalmente como sentimos medo, horror, ódio,
frustração, mas como podemos, apesar de tudo, sentir amor, compaixão e sermos
generosos para conosco e com os outros. Querer ser um pouco melhor pode ser um bom
motivo para celebrar o 2014. Um bom ano a todos e obrigada aos que me
acompanharam às quartas feiras de 2013.
Para conferir: “a máquina de fazer espanhóis” -
valter hugo mãe
2011/ Cosac Naify
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