quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A vida entre parêntesis

Em entrevista à Folha de São Paulo no mês de novembro, o artista londrino Damien Hirst  que veio ao Brasil para abrir uma exposição de seus trabalhos, e que há 20 anos é considerado uma celebridade no mundo das artes, confessava que desde 2008, quando percebeu que não era imortal, que podia envelhecer, adoecer ou morrer, conseguiu finalmente ter uma visão de si, de seu passado e de sua vida, mesmo que no início tivesse ficado tomado pelo pânico. Detalhe: a morte sempre foi seu tema principal. Mergulhado nos excessos de si, de grana, de drogas, não lhe era possível sequer balizar o valor que suas obras tinham para ele. A impressão que se tem ao final da entrevista é que uma parte de si não pode deixar de administrar este personagem, e o tom mais confessional o ajuda a manter-se mais “amado” do que “odiado” ou “invejado”. Líder dos YBAs, ou melhor, dos jovens artistas britânicos dos anos 90, Damien teve uma carreira meteórica ao se associar a um colecionador conhecido pelo estilo agressivo na aposta midiática e marqueteira, o que o fez acumular uma grande fortuna. Nos últimos dez anos, no entanto tornou-se, junto ao sucesso de suas obras, uma pessoa non grata em boa parte de Londres e em alguns lugares da Europa, a ponto de evitar comparecer às vernissages de suas exposições. Em São Paulo, entre alguns selfies com os admiradores, apelava para o caráter mais genuíno e cordial dos brasileiros. Vivendo em uma época em que o recurso midiático projeta os famosos num perímetro antes inimaginável, ao mesmo tempo em que glamuriza sua intimidade, Damien talvez não estivesse preparado (será que alguém está?) para se tornar, assim como sua obra, um objeto da curiosidade e apetite infinito do público. Já a Ilustríssima do dia 9 de novembro, na onda do projeto Alemanha+Brasil 2013-2014, uma parceria do governo alemão e do Instituto Goethe para celebrar as relações entre os dois países, desafiou 11 nomes representativos das duas culturas para escreverem a partir de um futuro fictício: "Estamos no ano de 2064 e hoje você está celebrando seu 50º aniversário. Como está o mundo neste dia?" Imaginar-se nascendo hoje e vivendo aos 50 anos em 2064 não é tarefa fácil. O que escolher para ficar ou mudar? Que tons usar, os cinzas ou os coloridos? Como pensar o mundo ou as pessoas? Um resumo dos relatos mostra que a maioria consagra a hegemonia da ciência e da tecnologia para os corpos e para os modos de viver, embora alguns acentuem as notas mais nostálgicas, de um passado com mais recursos naturais e menos vida artificial. Uma boa parte aposta que a ciência e a tecnologia levarão às ultimas consequências o projeto de parecermos felizes, vivos por muito mais tempo, com possibilidade de apagarmos a memória a fim de evitar as dores, as paixões ou os loucos desejos. Mas se para alguns só resta tentar “comprar” memórias justamente para não esquecer o passado de amores e dores, para outros sempre haverá brechas, furos e tréguas, e a humanidade não cessará de inventar novas formas de resistência ao status quo. Saber/poder improvisar pode vir as ser valioso. Apenas um (alemão) imaginou um mundo sustentável, que teria derrubado o modo de vida baseado no consumo infinito de objetos, e instalado o desapego, inventando um estilo de vida do alivio e do prazer. No balanço final o mundo pode ser vivido sem futuro, em guerra perpétua, muito gelado ou muito quente, e principalmente com muito medo. A entrevista feita a Damien discutida no inicio do texto, tenta capturar a “verdade” de sua vida, escarafunchando o passado e o presente, como a oferecer ao leitor um sentido que não está claro e precisa ser narrado. Ao discorrer sobre minhas impressões a respeito do artista baseada em suas respostas ao repórter, opto por privilegiar um ângulo de sua vida ao invés de outros. Os 11 relatos apresentados pela Ilustrissima também contém esta diversidade de olhares para o futuro do mundo, provavelmente construída a partir do sentido que cada autor atribui à sua vida. 

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