domingo, 9 de novembro de 2014

O pão nosso de cada dia


O diretor Richard Llnklater é cultuado por uma parcela importante de jovens que assistiram a sua trilogia Before "Antes do Pôr-do-Sol"/ "Antes do Amanhecer"/ "Antes da Meia-Noite", e desfrutaram do roteiro aparentemente despretensioso destes filmes que apresentavam uma inovação ao eleger como protagonistas do par amoroso, os mesmos atores, em três épocas diferentes de suas vidas, perfazendo um intervalo de nove anos. Assim, os sonhos e expectativas amorosas de juventude, podiam ser revistos e checados sob outras perspectivas pelo casal, à medida que ficavam mais velhos. Seu mais novo projeto, “Boyhood”, ganhador do Urso de Prata de Berlim pela direção, é tão ou mais ousado e primoroso. Durante 12 anos, também com os mesmos atores, Linklater filmou a historia de uma família de classe média, que vive no Estado do Texas – local pouco utilizado como cenário no cinema americano – permitindo a nós, espectadores, acompanharmos seus membros em seus pequenos dramas, conflitos e anseios, na tristeza e na alegria. É a vida cotidiana que nos toca viver que se apresenta, com seus altos e baixos, ainda que o projeto de Linklater não deixe de fora certos acontecimentos impactantes como a invasão do Iraque no governo Bush, a surpreendente eleição de Obama, o sucesso da saga Harry Porter entre jovens e crianças e claro, as transformações que o mundo digital trouxe aos modos de vida de todos. São dois filhos de pais separados – o caçula e sua irmã mais velha - que vivem com a mãe e precisam segui-la em suas mudanças de casa, cidade, maridos. O pai músico, que no inicio do filme usa a metáfora “trabalhando no Alaska” como desculpa por não pertencer ao mundo dos bem sucedidos,  logo retoma sua parte no convívio com os filhos. Assim como na sua trilogia sobre o amor, neste também os diálogos entre os adultos, entre estes e as crianças, entre as próprias crianças ou os adolescentes, são um diferencial do filme. Linklater parece fazer questão de utilizar o espaço cênico para debater ideias importantes sobre as relações humanas. Nada é deixado de lado, nem as brincadeiras bem humoradas, nem as mágoas, as dúvidas, as más escolhas (e suas consequências), as humilhações ou as questões sem respostas. Mas embora possa parecer um roteiro sem pretensões maiores do que a de apresentar a vida de uma família comum sem julgamentos morais ou normativos, não há como não aplaudir a preocupação do diretor em salientar o papel fundamental que os adultos contemporâneos precisam exercer não só quando escolhem serem pais, mas simplesmente por ocuparem um lugar assimétrico em relação aos mais jovens, e só por isso já estarem convocados a assumir a tarefa civilizatória e humanizadora. Neste sentido, de forma despretensiosa e deslocada dos discursos idealizados sobre família/pais e filhos, ele sublinha a importância desta responsabilidade e, portanto do comprometimento e cuidados com esta função, que para ser amorosa – fator imprescindível para acontecer um link com a vida e consigo mesmo – exige menos competências intelectuais e mais conhecimento sobre si, sobre o sentido/valor da vida de cada um, sobre a importância de se deixar afetar e de suportar /respeitar o estranho ou desconhecido. Moral da história: fica muito mais difícil ajudarmos os “garotos” a se emancipar e ganhar autonomia, se não percorremos antes este caminho e pudemos compreender a importância de discriminar o que deve ser incentivado, o que precisa de parâmetros e limites claros e o que necessita ser vetado. Não, não precisamos ser/bancar os adultos sabichões, ao contrário, pode ser salutar dividir algumas dúvidas e incertezas.
Para conferir: Boyhood  - 2014 - USA
Diretor: Richard Linklater

Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke 

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