Eram amigos há muito tempo, “brothers” de alma, em uma
relação em que reinava o respeito e a camaradagem. Na época da faculdade
fizeram escolhas diferentes, um seguiu para as ciências da economia e
administração e outro se enveredou pelos caminhos das humanidades. Deram-se
bem, ambos. E seguiram juntos, alimentando o convívio, agregando os novos amigos
e as namoradas. Coisas de jovens das gerações mais novas, sempre que um entrava
em alguma nuvem cinza por qualquer motivo, o outro era o parceiro que socorria.
A senha era aquele bar dos velhos tempos e as geladíssimas cervejas “Original”.
Uma troca que significava muito para os dois. As diferenças de pontos de vistas
já eram antigas e tratadas com certo humor, mas com o passar do tempo suas
visões de mundo e de futuro se distanciaram. Na eleição para presidente do
Brasil de 2010, no embate entre os candidatos do PT e do PSDB, ficaram em lados
opostos, travaram vários debates, tentaram achar um território comum e
sobreviveram à decepção de um e ao sucesso do outro. Nos anos que se seguiram
retomavam vez em quando suas posições, mas acabavam desistindo de levar adiante
qualquer ameaça a amizade. Quando o cenário eleitoral deste ano se transformou
em guerra acirrada entre os dois partidos que disputavam novamente as eleições
presidenciais, o caldo entornou. Na exposição a céu aberto das redes sociais, o
botão “modo paranoico” de ambos foi acionado. Qualquer texto ou notícia
compartilhada que denegrisse o partido de um, era sentido como traição pelo
outro. Sentindo-se injustiçados, para ambos o “outro” passou para o campo do
inimigo. Na lógica binária do modo paranoico de existir, a verdade estava do
“meu” lado. Como era possível
“ele” não perceber e colocar em risco uma amizade de tantos anos? Como e quando
“ele” se tornara aquela pessoa tão odiosa que não se importava com os “meus”
projetos de vida? A paixão do ódio impediu-os de pensar. A cada cutucada, dez
tiros. Whatsapp bloqueado e, no silencio
das vozes, o Facebook se tornou o campo de batalha, acionado milhares de vezes
para conferir o ranking das ofensas de cada lado. Na ânsia da vitória final
para o dia 26 de outubro, ambos se “jogaram” na militância de seus partidos,
aliciando cada amigo (a) ou conhecido (a) de sua lista. Era tudo ou nada, vida
ou morte. Para os poucos que ousaram questionar, a resposta era automática:
“ele” começara. O clima de empate que dominou os dias que antecederam o domingo
da eleição só aumentou a tensão e o desejo pela vitória de “seu” partido. Não
era esperança, mas certeza! No rebuliço da alma de cada um ardia a quietude
prazerosa da vingança, só suplantada quando o resultado das urnas confirmasse o
que cada um já sabia: seu candidato vencera!
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