A roda era formada por alguns jovens casais que
estavam visitando o bebê de um deles e o assunto, o bebê, espalhava um tom
apreensivo naqueles que estavam por decidir sobre seu futuro de pais. Tanto as
“meninas” quanto os “meninos” trocavam ideias com aqueles que já haviam entrado
neste mundo tão perturbador. E as histórias se multiplicavam para dar conta
deste universo inquietante que reina quando um bebê adentra no que era uma
dupla e força a barra para ali se constituir uma família. O que era mais assustador?
O sono dos pais que se perdia na contabilidade negativa? O sono do bebê que não
se encaixava na ansiada expectativa? Seu choro nem sempre decifrável? Sua falta
de linguagem para comunicar sobre seus tormentos, mal estares e dores? Assim seguiam
as narrativas de uns e outros até que em algum momento alguém ousou falar sobre
o mais tabu dos temas: a decepção e frustração que se instala em quase todas as
casas de casais que se tornam pela primeira vez, pais de um bebê. Graças a uma
prática que tem se tornado mais frequente atualmente – e que em certa medida
pode ser benvinda - tem sido possível colocar na roda dos amigos e/ou das
famílias, temas que não só são pouco prestigiosos para os protagonistas da
história, como desnudam suas falhas, seus temores, suas angústias, seu
desamparo diante de situações inesperadas. A maternidade, a vinda de um bebê, a
paternidade, estiveram por muitos anos guardados em um lugar de honra nos arquivos
dos modelos ideais e de grande importância para o bom funcionamento das
sociedades. Em poucas décadas, a ciência construiu uma infinidade de
informações e cartilhas para pais de primeira viagem que pretendia aumentar as
chances de que esta etapa da vida dos casais pudesse ser vivida da melhor maneira
possível. Em parte, as gerações atuais de pais se beneficiam deste aparato,
principalmente na quebra de muitos mitos e tradições seculares nem sempre
benéficas. Também é verdade que a profusão de informações que hoje existem
sobre a gestação, o parto, os primeiros cuidados, etc. colocam para estes a
difícil tarefa de separar o joio do trigo, ou de escolher o que lhes parece se
encaixar melhor em seu modo de vida. Mas ainda que os pais se esmerem na
preparação para o que virá, a vinda de um bebê desconstrói o modelo ideal. Não
há como evitar a surpresa, a estranheza e o enigmático que ronda esta passagem
de um ser que demanda cuidados de todas as ordens e que precisará, graças a
estes cuidados, ser adotado pela cultura e “domesticado” até se tornar familiar.
Não é fácil para estes pais viverem este período em que eles são tão
responsáveis por esta passagem, sem se sentirem frágeis, assustados, temerosos
quanto a suas possibilidades. Há no horizonte do futuro dos bebês, um devir
indeterminado e incerto, e isso é bastante amedrontador. Além disso, outro
processo nada simples precisa acontecer: o casal deverá deixar seu lugar de
filhos para tornarem-se pais. Mas talvez o maior dos mitos, o do amor imediato
e incondicional que “deve” se instalar entre o pequenino ser e seus pais, seja
o mais desolador, já que a ninguém parece admissível que se possa ter momentos de muita raiva e ódio e outros de
tanto amor ao próprio filho. Por isso, as rodas de conversa entre amigos e
familiares, quando são acolhedoras destes temores e sustos, podem auxiliar os
pais a narrarem seus sentimentos, pensamentos e atos, o que pode contribuir
para uma “reorganização” deste tumultuado período.
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