segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Os bebes que nos assustam

A roda era formada por alguns jovens casais que estavam visitando o bebê de um deles e o assunto, o bebê, espalhava um tom apreensivo naqueles que estavam por decidir sobre seu futuro de pais. Tanto as “meninas” quanto os “meninos” trocavam ideias com aqueles que já haviam entrado neste mundo tão perturbador. E as histórias se multiplicavam para dar conta deste universo inquietante que reina quando um bebê adentra no que era uma dupla e força a barra para ali se constituir uma família. O que era mais assustador? O sono dos pais que se perdia na contabilidade negativa? O sono do bebê que não se encaixava na ansiada expectativa? Seu choro nem sempre decifrável? Sua falta de linguagem para comunicar sobre seus tormentos, mal estares e dores? Assim seguiam as narrativas de uns e outros até que em algum momento alguém ousou falar sobre o mais tabu dos temas: a decepção e frustração que se instala em quase todas as casas de casais que se tornam pela primeira vez, pais de um bebê. Graças a uma prática que tem se tornado mais frequente atualmente – e que em certa medida pode ser benvinda - tem sido possível colocar na roda dos amigos e/ou das famílias, temas que não só são pouco prestigiosos para os protagonistas da história, como desnudam suas falhas, seus temores, suas angústias, seu desamparo diante de situações inesperadas. A maternidade, a vinda de um bebê, a paternidade, estiveram por muitos anos guardados em um lugar de honra nos arquivos dos modelos ideais e de grande importância para o bom funcionamento das sociedades. Em poucas décadas, a ciência construiu uma infinidade de informações e cartilhas para pais de primeira viagem que pretendia aumentar as chances de que esta etapa da vida dos casais pudesse ser vivida da melhor maneira possível. Em parte, as gerações atuais de pais se beneficiam deste aparato, principalmente na quebra de muitos mitos e tradições seculares nem sempre benéficas. Também é verdade que a profusão de informações que hoje existem sobre a gestação, o parto, os primeiros cuidados, etc. colocam para estes a difícil tarefa de separar o joio do trigo, ou de escolher o que lhes parece se encaixar melhor em seu modo de vida. Mas ainda que os pais se esmerem na preparação para o que virá, a vinda de um bebê desconstrói o modelo ideal. Não há como evitar a surpresa, a estranheza e o enigmático que ronda esta passagem de um ser que demanda cuidados de todas as ordens e que precisará, graças a estes cuidados, ser adotado pela cultura e “domesticado” até se tornar familiar. Não é fácil para estes pais viverem este período em que eles são tão responsáveis por esta passagem, sem se sentirem frágeis, assustados, temerosos quanto a suas possibilidades. Há no horizonte do futuro dos bebês, um devir indeterminado e incerto, e isso é bastante amedrontador. Além disso, outro processo nada simples precisa acontecer: o casal deverá deixar seu lugar de filhos para tornarem-se pais. Mas talvez o maior dos mitos, o do amor imediato e incondicional que “deve” se instalar entre o pequenino ser e seus pais, seja o mais desolador, já que a ninguém parece admissível que se possa  ter momentos de muita raiva e ódio e outros de tanto amor ao próprio filho. Por isso, as rodas de conversa entre amigos e familiares, quando são acolhedoras destes temores e sustos, podem auxiliar os pais a narrarem seus sentimentos, pensamentos e atos, o que pode contribuir para uma “reorganização” deste tumultuado período.

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