domingo, 31 de agosto de 2014

Politicamente correto

Pode-se dizer que classificar algo de politicamente correto (ou incorreto) surge nos ventos da globalização e da propagação da internet, com a capilarização das trocas entre indivíduos de todos os lugares (geográficos e sociais), como estratégia para a manutenção na busca de uma cultura de igualdade. Ficaria assim decidido consensualmente que cada indivíduo seria responsável por sua manifestação de repúdio ou acolhimento às diferenças, tendo como pano de fundo tal norma “ideológica”. Mas seria ideológica ou humanista? E porque precisamos deste tipo de norma para conviver com os outros? Mais, porque para muitos o politicamente correto traz em seus conceitos e respectivas atitudes certa hipocrisia? Seria porque  ao invés de se refletir sobre a importância ou não de se manter a liberdade com seus devidos cuidados aos direitos dos outros, tendemos a esculhambar a suposta “norma” como se ela fosse uma imposição ao invés de uma baliza? Na verdade, a prerrogativa que se abre com o uso deste termo “politicamente correto” é válida somente para que possamos titubear quando de forma quase “automática” acionamos nossos ódios ou desprezo, uma forma de nos impor um espaço para nos perguntar não só que tipo de sociedade queremos, mas como elegemos nossas estratégias de ação se nos considerarmos agentes implicados. É bom que se lembre também que não podemos sequer classificar os comportamentos ou atos que ficam fora deste “correto” de forma muito rígida, pois estes dizem respeito aos valores que a cada época vamos validando como norteadores de nossa convivência. Dentre os dois maiores grupos discriminatórios de nossa época, os raciais e os sexistas, estes últimos são os que parecem mais difíceis de serem processados. E dentre estes talvez o que mais perturbe a todos seja os ligados ao “machismo”. Dizer que alguém pensa ou age como machista não está restrito aos homens. Estamos falando de um imaginário cultural de alguns séculos, marcado pela lógica da dominação masculina e confirmada por um modelo social que impunha de forma imperativa papéis e lugares a cada um. Embora este imaginário venha sendo desconstruído lenta, mas firmemente, os comportamentos machistas pululam. Um bom exemplo deste cenário, amplamente noticiado, surgiu a partir das denúncias de assédio e pedidos de mulheres para que o metrô de SP reservasse um  “vagão rosa” nos horários de pico com a finalidade de preservá-las. Já implantados em países como Japão, Egito, Índia, Irã, Indonésia, Filipinas, México, Malásia e Dubai, no Brasil funciona há sete anos no Rio de Janeiro, desde maio deste ano no metrô de Brasília e no último dia 4 de julho foi aprovado o projeto de lei que cria um vagão exclusivo para o uso feminino no metrô de São Paulo. Por trás destas medidas tomadas a partir da constatação de assédio de homens sobre as mulheres, está um tipo de leitura machista que enxerga os corpos femininos como objetos disponíveis. Embora muitas mulheres tenham feito campanhas contra a instalação do vagão exclusivo argumentando que tal medida não “ensina” a população sobre a obrigação de respeito e cuidado com o outro (seja lá quem este seja), nem altera a forma como muitos homens e mulheres ainda “culpam” as que são assediadas por estarem vestidas de forma X ou Y, ou por provocarem a atração sobre si, só o fato desta polêmica ter sido vastamente noticiada, já coloca o tema em destaque. É assim que se cria aos poucos um “politicamente correto”, ou seja, uma norma  construída pela sociedade que cria uma expectativa de que cada um utilize-a como referencia para pensar sobre o que ele ou os outros fazem e ao mesmo tempo instala um constrangimento social aos que não se importam.  

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