quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Livrai-nos do mal, do diferente, do excêntrico.

O jornalista Reinaldo Jose Lobo que mantém uma coluna no caderno de ciência da Folha de SP escreveu na última sexta feira que na preservação da biodiversidade do planeta, um dos critérios para saber como escolher o que precisa de mais cuidados poderia ser o que nos parece mais esquisito. Para exemplificar contou como a Sociedade Zoológica de Londres tem se dedicado a buscar espécies que vivem a margem da existência, ou seja, que são “evolutivamente distintos e globalmente ameaçados”, pois estão a um milésimo do tempo para se extinguir (seguindo a lógica da teoria da evolução) levando consigo sua trajetória evolutiva. Sem necessidade de um comprometimento moral para avaliar o valor de se salvar uma espécie que está prestes a se extinguir, o jornalista avisa que pelo ponto de vista “evolutivo” estas espécies não puderam ou conseguiram se adaptar (por diferentes razões) e por isso acabam tendo um funcionamento marginal, fora dos padrões esperados na atualidade. Embora nas últimas décadas, salvar espécies vegetais e animais ameaçadas de extinção tenha se tornado comum, não custa utilizarmos esta proposta para pensarmos como nós humanos encaramos nossos “esquisitos”. O “diferente” e como reagimos a ele tem sido uma preocupação de muitos pensadores, que principalmente a partir das duas guerras mundiais, perceberam que nosso contrato social era marcado por uma fragilidade de coesão, podendo facilmente gerar conflitos e violência, ainda que cuidássemos para que nossas instituições organizadoras ou o próprio Estado regulassem a ordem. No século XX, embora proliferassem os debates e a criação de entidades internacionais para assegurar um mínimo denominador comum às relações dos Estados com seus cidadãos (os direitos humanos e internacionais), continuamos a verificar em todo o globo, diferentes utilizações dos aparatos estatais para reprimir ou eliminar setores “inconvenientes” do seio das sociedades. Deveriam desaparecer os diferentes (estranhos), fosse por sua impureza, fraqueza ou qualquer “força” ameaçadora e imaginária. Mas afinal, quais critérios utilizamos para eleger como inferior, inconveniente ou sem valor os que nos parecem diferentes? Fiz questão de usar acima, as aspas para as palavras diferente e esquisito, pois elas estão representando uma infinita escala de razões para esse sentimento de repúdio. É fácil pensarmos sobre isso quando nos lembramos das dificuldades de convivência de qualquer agrupamento humano a que pertencemos. Ficamos buscando “lugares” confortáveis que nos livrem dos embaraços e desafios de todos os tipos, pois no espaço de  um único dia é possível enfrentarmos vários atos de injustiças, discriminação, autoritarismo e agressividade. Os territórios da descortesia e dos desconfortos da convivência são infinitos e inesperados. No livro “Longe da Arvore” lançado em 2012 no Brasil pela Companhia das Letras, o autor americano Andrew Salomon mergulha na intimidade de famílias de crianças, adolescentes e adultos que nasceram ou vivem “longe da árvore”-  apresentam padrões biológicos ou sociais que os excluem das “normas” - para mapear os modos de aceitação de diferenças expressadas ora como deficiência, ora como genialidade ou como desajuste social. Mas assim como acontece com a instituição inglesa que chamou para si a responsabilidade de buscar espécies vivas esquisitas para cuidar e evitar sua extinção, o livro é também um convite a todos os humanos para pensar sobre este trabalho “político” de acolher, acompanhar e assegurar a inclusão social dos que de vários modos se apresentam em sua diferença radical. Mesmo que não consigamos deixar de passarmos nossas vidas a erguer muralhas, demarcar divisórias, lutar por territórios perdidos e “esquecermos” que nos finais de guerras e conflitos armados (ou não) nunca houve e nem haverá terra prometida.

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