O jornalista Reinaldo Jose Lobo que mantém uma
coluna no caderno de ciência da Folha de SP escreveu na última sexta feira que na
preservação da biodiversidade do planeta, um dos critérios para saber como
escolher o que precisa de mais cuidados poderia ser o que nos parece mais
esquisito. Para exemplificar contou como a Sociedade Zoológica de Londres tem
se dedicado a buscar espécies que vivem a margem da existência, ou seja, que
são “evolutivamente distintos e globalmente ameaçados”, pois estão a um
milésimo do tempo para se extinguir (seguindo a lógica da teoria da evolução)
levando consigo sua trajetória evolutiva. Sem necessidade de um comprometimento
moral para avaliar o valor de se salvar uma espécie que está prestes a se
extinguir, o jornalista avisa que pelo ponto de vista “evolutivo” estas espécies
não puderam ou conseguiram se adaptar (por diferentes razões) e por isso acabam
tendo um funcionamento marginal, fora dos padrões esperados na atualidade. Embora
nas últimas décadas, salvar espécies vegetais e animais ameaçadas de extinção
tenha se tornado comum, não custa utilizarmos esta proposta para pensarmos como
nós humanos encaramos nossos “esquisitos”. O “diferente” e como reagimos a ele
tem sido uma preocupação de muitos pensadores, que principalmente a partir das
duas guerras mundiais, perceberam que nosso contrato social era marcado por uma
fragilidade de coesão, podendo facilmente gerar conflitos e violência, ainda
que cuidássemos para que nossas instituições organizadoras ou o próprio Estado regulassem
a ordem. No século XX, embora proliferassem os debates e a criação de entidades
internacionais para assegurar um mínimo denominador comum às relações dos
Estados com seus cidadãos (os direitos humanos e internacionais), continuamos a
verificar em todo o globo, diferentes utilizações dos aparatos estatais para
reprimir ou eliminar setores “inconvenientes” do seio das sociedades. Deveriam
desaparecer os diferentes (estranhos), fosse por sua impureza, fraqueza ou
qualquer “força” ameaçadora e imaginária. Mas afinal, quais critérios
utilizamos para eleger como inferior, inconveniente ou sem valor os que nos
parecem diferentes? Fiz questão de usar acima, as aspas para as palavras
diferente e esquisito, pois elas estão representando uma infinita escala de
razões para esse sentimento de repúdio. É fácil pensarmos sobre isso quando nos
lembramos das dificuldades de convivência de qualquer agrupamento humano a que
pertencemos. Ficamos buscando “lugares” confortáveis que nos livrem dos
embaraços e desafios de todos os tipos, pois no espaço de um único dia é possível enfrentarmos vários
atos de injustiças, discriminação, autoritarismo e agressividade. Os
territórios da descortesia e dos desconfortos da convivência são infinitos e
inesperados. No livro “Longe da Arvore” lançado em 2012 no Brasil pela
Companhia das Letras, o autor americano Andrew Salomon mergulha na intimidade
de famílias de crianças, adolescentes e adultos que nasceram ou vivem “longe da
árvore”- apresentam padrões biológicos
ou sociais que os excluem das “normas” - para mapear os modos de aceitação de
diferenças expressadas ora como deficiência, ora como genialidade ou como
desajuste social. Mas assim como acontece com a instituição inglesa que chamou
para si a responsabilidade de buscar espécies vivas esquisitas para cuidar e
evitar sua extinção, o livro é também um convite a todos os humanos para pensar
sobre este trabalho “político” de acolher, acompanhar e assegurar a inclusão
social dos que de vários modos se apresentam em sua diferença radical. Mesmo que
não consigamos deixar de passarmos nossas vidas a erguer muralhas, demarcar
divisórias, lutar por territórios perdidos e “esquecermos” que nos finais de
guerras e conflitos armados (ou não) nunca houve e nem haverá terra prometida.
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