quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Saldo final
Estava deveras curiosa para ler os cadernos de cultura dos
principais jornais que circulam no domingo, por desconfiar que uma
análise sobre a Copa do Mundo e principalmente sobre a derrota trágica da
seleção brasileira deste sábado, jamais passariam em branco.
Guardei a ansiedade dos comentários pós-vitória da Alemanha sobre a Argentina
para serem lidos depois, nos jornais de segunda-feira. Selecionei os artigos (havia
ao menos dez bastante interessantes), alguns sérios, outros irônicos ou emocionantes,
que no conjunto conseguiam cobrir quase a totalidade das inúmeras (e por vezes
surpreendentes) questões que rondaram este período ruidoso de “nossa” Copa.
Entre textos de jornalistas esportivos, empresários, sociólogos, cientistas
políticos, advogados, professores universitários, escritores e uma grande fatia
de colunistas, talvez o único denominador comum fosse o fato de serem
brasileiros (exceção para um escritor alemão e dois jornalistas estrangeiros). Mas
o conjunto dos aspectos privilegiados por cada um acabava por traçar um mapa
interessante do Brasil, dos brasileiros, do futebol brasileiro, de como os
brasileiros veem a si e aos estrangeiros, das diferenças entre o futebol daqui
e de outras equipes desta Copa, da FIFA, da CBF, do futuro do país e do nosso
futebol, dentre outros. Alguns avisavam que não estava sendo fácil escrever no
calor da emoção, diante da tristeza da derrota dos 7 x 1 sofrida pelo Brasil e
até descreveram com minúcias os sete minutos que transcorreram entre os 23 e 29 minutos do primeiro tempo
quando a Alemanha marcou quatro gols e
acabou com qualquer esperança brasileira. Outros tentavam não crucificar a
equipe dos jovens jogadores brasileiros, tampouco seu técnico, e sim analisar a
derrota sob o ponto de vista de um sintoma maior, mais antigo e nefasto que de
certa forma caracteriza a informalidade de nosso futebol. Parecia-lhes difícil
imaginar que um técnico da seleção brasileira pudesse ficar 10 anos comandando-a
e preparando talentos para enfrentar alguma Copa futura, caso da Alemanha e seu
coach. Mais difícil ainda seria esperar grandes reformas na gestão da CBF e
suas federações, que com a cumplicidade dos clubes, mantém esquemas corruptos
de poder e favoritismos. Mas não custava sonhar que em algum futuro, os clubes brasileiros
conciliassem treinamento técnico-tático-estratégico, disciplinar, exigência de
formação escolar e pudessem preparar jovens de qualquer categoria social para
os encantos e os desencantos desta carreira. Muitos evocaram a oscilação de
zero a cem e vice versa dos torcedores brasileiros com seu time, da exaltação
ao desprezo, de abençoados por Deus a fracassados e se decepcionaram com a
parcela destes que abandonou o estádio mineiro antes do final do jogo contra a
Alemanha ou com aqueles que ficaram e ovacionaram os passes de seus algozes. Denominada
de expectativa infantil, os torcedores brasileiros não só não teriam analisado com
dados de realidade as possibilidades de seu time, como apostaram em vitória por
goleadas, independente do “tamanho” do adversário. Outros preferiram analisar a
verve cômica, e celebraram a ironia dos milhares de piadas que invadiram as
redes sociais, antes do final do fatídico jogo. Seria esta capacidade de rir de
si mesmo um dos motivos que compõem a versão do “complexo de vira-latas” de
nossa identidade (imortalizado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues) ou, ao contrário,
a possibilidade de uso da ironia diante de situações trágicas aponta um molejo,
uma maneira de não se levar muito a sério, talvez um de nossos mais cultuados
“jeitos de ser” brasileiro? Houve ainda
os que destacaram os depoimentos de jornalistas estrangeiros que estiveram
cobrindo a Copa que não pouparam elogios à exuberância da natureza do país ou à
hospitalidade, simpatia e alegria do povo brasileiro. Onde estavam os
manifestantes contra a Copa e o clima raivoso que a imprensa divulgou no
período que a antecedeu? O Brasil deveria ser a sede oficial das Copas! De tudo,
e pelo número sem fim de análises críticas, conclui-se que se o futebol é hoje
uma manifestação sociocultural das mais importantes por criar e fazer circular
maneiras de se entender as relações entre grupos, entre povos, entre pessoas e
sua cultura, para nós brasileiros ele funciona como uma afirmação cultural. O
balanço divulgado pelo governo nesta
segunda-feira mostrou que um milhão de turistas de 200 países diferentes
estiveram circulando pelo Brasil durante a Copa, mas três milhões de
brasileiros viajaram pelo país e prestigiaram os jogos (aclamados como
eletrizantes e empolgantes) realizados nas cidades sedes. Como afirmou um
jornalista americano, a derrota brasileira doeu na alma, emudeceu a torcida e
entristeceu o povo brasileiro. Mas no dia seguinte, a vida continuou. Talvez
porque o povo brasileiro e o Brasil sejam maiores que o futebol brasileiro.
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