Não fossem as palavras,
a realidade seria sem graça, sem formas, sem sentido. Graças às palavras
podemos desfrutar e compartilhar a realidade, mas é nossa produção de ficções que
não só potencializam as coisas e as maneiras de se olhar a realidade, como
permitem abrir portas nas velhas paisagens, apontar o impossível como possível,
ou somente retirar nossas vidinhas de seu mundo quadrado. Muitas ficções
literárias atravessam a história mantendo-se como referencia deste gap
realizado ali, naquele momento. Também o cinema e seus diretores geniais,
mantêm nossas expectativas de sermos afetados por novas maneiras de
entendimento da realidade ou de nós mesmos. Woody Allen é figurinha conhecida
nos quatro cantos do mundo, e muito reverenciado pela frequência com que
realiza filmes com alto teor de interrogações sobre nós e nossas vidinhas. Mas
é bem provável que aos 79 anos, ele tenha se concedido uma liberdade não tão comum
aos que alcançam um lugar de destaque e precisam cuidar da reputação conquistada
ao longo de suas vidas. Nos últimos anos, com sua vida privada exposta em meio
ao quiproquó de denúncias feitas por sua ex-esposa, a atriz Mia Farrow, ele não
só tem rodado seus filmes fora dos USA, como aproveita para apresentar os
ângulos ou lugares mais lindos daquele país ou região, escolhe atores
inesperados para seus personagens, e elege temas que, a primeira vista, parecem
banais, na maneira simplória e singela com que são apresentados. É o caso de
seu mais recente filme, “Magia ao luar”, em que ele se utiliza das belíssimas
paisagens da Riviera Francesa, ambienta - o nos anos 20- com direito a um
impecável figurino de época – e traz à tona um debate sobre a possibilidade
ou não de conciliação da fé com a ciência/razão. Os dois personagens principais
representam de forma caricata, os extremos de cada uma destas possibilidades. De
um lado um famoso e cético ilusionista (Colin Firth) cujo discurso sempre se
enquadra no racional, que anuncia seu desprezo pelas paixões e pelas crenças no
divino ou no oculto, e de outro uma “médium” americana (Emma Stone), que anuncia
a possibilidade de utilizar seus recursos para fazer uma ponte com o mundo
espiritual, e de quebra exibe de forma exuberante, sua juventude, alegria e paixões
pela vida. Convidado por um amigo a desmascarar a vidente, o homem cético se
impressiona e se apaixona por ela, capturado por seu espírito livre e pela
singeleza com que leva a sério a ilusão e a fantasia. Woody Allen parece assim
convidar-nos a abandonar a lógica racional e abrir espaço para uma terceira
via, feita de nossas fantasias, sonhos, romances, e tudo aquilo que pode nos
fazer suportar melhor a dureza e os infortúnios da vida. Na base da produção de
sua ficção está um questionamento de quem somos, por que somos e como somos. A
resposta é que não somos perfeitos, não temos respostas certas para viver, e temos
muitos limites e insuficiências. Tudo depende, sempre, da maneira
de olhar - e se possível de desdobrar e
multiplicar nosso olhar. É sem dúvida um Woody Allen mais romântico, que
escolhe pinçar o que o homem tem de mais espontâneo e ímpar.
Para conferir: Magia ao luar (2014)
Diretor : Woody Allen ( USA)
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