segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A Bela e a Fera

Está em cartaz nos cinemas, em uma superprodução franco-alemã, mais uma versão da história da Bela e a Fera, talvez o conto de fadas que mais versões recebeu em sua longa existência (livros, animações, filmes, musicais). Vale a pena recuperar a historia de nossos tão conhecidos contos de fadas, contos estes que foram compilados por alguns escritores da sociedade europeia nos séculos XVII ao XIX, que recolheram cada qual  em sua cultura, as histórias orais contadas e recontadas, nem sempre destinadas aos infantes, mas quase sempre permeadas por um realismo fantástico. O francês Charles Perrault (1697) foi o primeiro a reunir essas histórias consagradas pela tradição oral e organiza-las em “Os contos da mamãe Gansa” dirigidos às crianças. Tempos depois foi a vez dos irmãos Grimm se utilizarem da literatura popular oral e escrita da Alemanha, alcançando um grande sucesso. Na Dinamarca, Hans Christian Andersen fez inicialmente o mesmo percurso para depois dedicar-se à criação de uma literatura infantil, centrada principalmente na vida cotidiana. Em comum, estes contos de fadas costumam apresentar um conflito entre o bem e o mal ao expor os impasses de uma determinada situação, e desenvolvem um processo de solução com um sucesso final, utilizando-se de um mundo fantástico, ideal para o pensamento mágico das crianças. Mas o fato de estes personagens imaginários representarem os tumultos de nosso mundo interior ao expressar nossos anseios, angústia e medos, ainda que num  mundo de fantasia, do faz de conta e da ficção, cria uma cumplicidade tanto para as crianças quanto para os adultos. Todos ficam tocados pelas histórias, que em geral abordam temas que fazem parte da tradição de muitos povos, apresentam saídas para problemas comuns, oferecem soluções para possíveis conflitos e acima de tudo transmitem uma mensagem que é ao mesmo tempo de conforto ao propagar que a luta contra as dificuldades e os medos é inevitável, e de esperança, já que a vitória é sempre possível. A Bela e a Fera (La Belle et la Bête), no entanto, teria sido originalmente escrito por uma francesa ( uma mulher, o que não era usual),  Gabrielle-Suzanne Barbot, a Dama de Villeneuve, em 1740  para entreter seus amigos. Alguns anos mais tarde, em 1756, outra mulher, Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, resumiu e modificou a obra de Villeneuve, que se tornou a versão mais conhecida. Adaptada, filmada e encenada inúmeras vezes, o conto apresenta pequenas modificações desta versão ao se adaptar a diferentes culturas e momentos sociais e alcança seu ápice na versão de animação, imortalizada nas telas em 1991 pela Walt Disney, quando alcançou índices jamais imaginados para um desenho, e recebeu indicação ao Oscar de melhor filme. O que este conto teria de diferente? Ele não só foi escrito por uma mulher e adaptado por outra, como em suas diferentes versões, mantém o protagonismo de Bela, que escolhe ser trocada pelo pai para ficar com a Fera, e conquista-a além de ser conquistada. Como pano de fundo, estamos aqui em plena passagem da menina para a adolescente, que precisa se despedir do amor paterno, encarar sua sexualidade e ter coragem para se voltar ao mundo dos homens. A Fera é a figura deste homem ainda desconhecido, animal em sua sexualidade estranha, mas que aos poucos poderá se transformar em um homem para ser desejado e amado. Quando Freud no final do século XIX e inicio do XX inventa sua leitura sobre nossa intimidade, empresta dos mitos gregos sua simbologia. Os contos de fadas permitem à criança uma mediação entre seu mundo interno e externo, e por meio do simbolismo facilitam que ela experimente diferentes papéis e situações de seu contexto familiar ao se identificar com os vários personagens do conto. Quem sabe  seja este fascínio que atinge a todos, o que faz com que os contos de fadas se perpetuem.

Para conferir: A Bela e a Fera (2014)

Direção: Christophe Gans  ( França/Alemanha)

Nenhum comentário:

Postar um comentário