Está
em cartaz nos cinemas, em uma superprodução franco-alemã, mais uma versão da
história da Bela e a Fera, talvez o conto de fadas que mais versões recebeu em
sua longa existência (livros, animações, filmes, musicais). Vale a pena
recuperar a historia de nossos tão conhecidos contos de fadas, contos estes que foram
compilados por alguns escritores da sociedade europeia nos séculos XVII ao XIX,
que recolheram cada qual em sua cultura,
as histórias orais contadas e recontadas, nem sempre destinadas aos infantes,
mas quase sempre permeadas por um realismo fantástico. O francês Charles
Perrault (1697) foi o primeiro a reunir essas histórias consagradas pela
tradição oral e organiza-las em “Os contos da mamãe Gansa” dirigidos às
crianças. Tempos depois foi a vez dos irmãos Grimm se utilizarem da literatura
popular oral e escrita da Alemanha, alcançando um grande sucesso. Na Dinamarca,
Hans Christian Andersen fez inicialmente o mesmo percurso para depois
dedicar-se à criação de uma literatura infantil, centrada principalmente na
vida cotidiana. Em comum, estes contos de fadas costumam apresentar um conflito
entre o bem e o mal ao expor os impasses de uma determinada situação, e
desenvolvem um processo de solução com um sucesso final, utilizando-se de um
mundo fantástico, ideal para o pensamento mágico das crianças. Mas o fato de
estes personagens imaginários representarem os tumultos de nosso mundo interior
ao expressar nossos anseios, angústia e medos, ainda que num mundo de fantasia, do faz de conta e da ficção,
cria uma cumplicidade tanto para as crianças quanto para os adultos. Todos
ficam tocados pelas histórias, que em geral abordam temas que fazem parte da
tradição de muitos povos, apresentam saídas para problemas comuns, oferecem
soluções para possíveis conflitos e acima de tudo transmitem uma mensagem que é
ao mesmo tempo de conforto ao propagar que a luta contra as dificuldades e os
medos é inevitável, e de esperança, já que a vitória é sempre possível. A Bela
e a Fera (La Belle et la Bête), no entanto, teria sido originalmente escrito
por uma francesa ( uma mulher, o que não era usual), Gabrielle-Suzanne Barbot, a Dama de
Villeneuve, em 1740 para entreter seus
amigos. Alguns anos mais tarde, em 1756, outra mulher, Jeanne-Marie LePrince de
Beaumont, resumiu e modificou a obra de Villeneuve, que se tornou a versão mais
conhecida. Adaptada, filmada e encenada inúmeras vezes, o conto apresenta pequenas
modificações desta versão ao se adaptar a diferentes culturas e momentos sociais
e alcança seu ápice na versão de animação, imortalizada nas telas em 1991 pela
Walt Disney, quando alcançou índices jamais imaginados para um desenho, e
recebeu indicação ao Oscar de melhor filme. O que este conto teria de
diferente? Ele não só foi escrito por uma mulher e adaptado por outra, como em
suas diferentes versões, mantém o protagonismo de Bela, que escolhe ser trocada
pelo pai para ficar com a Fera, e conquista-a além de ser conquistada. Como
pano de fundo, estamos aqui em plena passagem da menina para a adolescente, que
precisa se despedir do amor paterno, encarar sua sexualidade e ter coragem para
se voltar ao mundo dos homens. A Fera é a figura deste homem ainda
desconhecido, animal em sua sexualidade estranha, mas que aos poucos poderá se
transformar em um homem para ser desejado e amado. Quando Freud no final do
século XIX e inicio do XX inventa sua leitura sobre nossa intimidade, empresta
dos mitos gregos sua simbologia. Os contos de fadas permitem à criança uma
mediação entre seu mundo interno e externo, e por meio do simbolismo facilitam
que ela experimente diferentes papéis e situações de seu contexto familiar ao
se identificar com os vários personagens do conto. Quem sabe seja este fascínio que atinge a todos, o que
faz com que os contos de fadas se perpetuem.
Para
conferir: A Bela e a Fera (2014)
Direção:
Christophe Gans ( França/Alemanha)
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