Dentre as personalidades a serem louvadas no ano de 2014, é
provável que o papa Francisco consiga a unanimidade. Contrariando as
expectativas da Cúria romana, ou quem sabe, cumprindo os desejos de seu
antecessor que surpreendeu o mundo ao renunciar a este cargo máximo de poder da
Igreja Católica, ele parece estar corajosamente disposto a resgatar e estender os
princípios humanistas cristãos. Logo após ter sido um dos arquitetos das negociações
em torno do fim do embargo de meio século dos USA contra Cuba, o papa veio a
público em sua mensagem de Natal no Vaticano, e diante de cardeais, bispos e
monsenhores afirmou que como qualquer corpo humano, a Cúria sofre de doenças, e
que a cura destas passaria necessariamente por uma consciência das doenças. Um
recado e tanto para organizações que como a Cúria (e muitos Estados), “não têm
notícias” sobre seu funcionamento esclerosado e mergulhado nos líquidos
corrosivos e poluentes da corrupção e outros subprodutos do fascínio do poder. Um
sintoma que nasce do que é negado e desprezado porque assusta e é moral e eticamente
inaceitável, mas que precisa vir a ser conhecido e entendido, como o lado
sombrio da mente humana. Mais de dois milênios após seu surgimento é difícil avaliar
com precisão a incidência do cristianismo em todos os continentes, sua
participação nas diferentes culturas e na maneira como o mundo é hoje. É
provável que a permanente disseminação de sua doutrina, em suas várias
vertentes, encontre ecos no empenho dos primeiros cristãos que decidiram levar
sua fé a todos os povos, e apostaram na sua potência ao aproximar a imagem de
Deus (Cristo) dos homens comuns, incitando-os a sentirem-se parceiros deste
Deus sendo bons, responsáveis e respeitosos com seus próximos. Este seria
segundo alguns pensadores, o principal papel das religiões, que ao emprestarem
sua doutrina sobre a origem e os destinos dos homens e conclamarem-nos a seguir
seus passos e conter suas paixões, resolveriam um dos mais difíceis dramas
humanos, aquele que está associado à compreensão se seus aspectos destrutivos,
seus sentimentos agressivos, seu ódio, sua violência, seus medos e sua
voracidade: toda a selvageria que o impede de construir um lugar de convívio
para si e para os seus. Mesmo em nosso paradoxal tempo de alta e ininterrupta
tecnologia, em que novas ferramentas não cessam de prometer levar a todos “um
pouco mais além”, permanece a busca de zonas de conforto, espaços em que o que é
conhecido e verossímil parece curar a ansiedade provocada pela sensação de que
não haveria mais certezas para o futuro. Ainda que seja justamente esta incerteza
em relação ao que se pode esperar do futuro, o que move a todos a desejar
construí-lo. Por isso, apesar de muitos adentrarem no mês de dezembro com o sentimento de não ter podido concluir ou
realizar o que planejaram para o ano que se despede, aos poucos a chegada do
próximo vai se impondo e impondo um futuro. Pode até ser de mudanças. Um ótimo
Natal a todos os leitores.
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