domingo, 4 de janeiro de 2015

A “velha” a fiar

Dentre as personalidades a serem louvadas no ano de 2014, é provável que o papa Francisco consiga a unanimidade. Contrariando as expectativas da Cúria romana, ou quem sabe, cumprindo os desejos de seu antecessor que surpreendeu o mundo ao renunciar a este cargo máximo de poder da Igreja Católica, ele parece estar corajosamente disposto a resgatar e estender os princípios humanistas cristãos. Logo após ter sido um dos arquitetos das negociações em torno do fim do embargo de meio século dos USA contra Cuba, o papa veio a público em sua mensagem de Natal no Vaticano, e diante de cardeais, bispos e monsenhores afirmou que como qualquer corpo humano, a Cúria sofre de doenças, e que a cura destas passaria necessariamente por uma consciência das doenças. Um recado e tanto para organizações que como a Cúria (e muitos Estados), “não têm notícias” sobre seu funcionamento esclerosado e mergulhado nos líquidos corrosivos e poluentes da corrupção e outros subprodutos do fascínio do poder. Um sintoma que nasce do que é negado e desprezado porque assusta e é moral e eticamente inaceitável, mas que precisa vir a ser conhecido e entendido, como o lado sombrio da mente humana. Mais de dois milênios após seu surgimento é difícil avaliar com precisão a incidência do cristianismo em todos os continentes, sua participação nas diferentes culturas e na maneira como o mundo é hoje. É provável que a permanente disseminação de sua doutrina, em suas várias vertentes, encontre ecos no empenho dos primeiros cristãos que decidiram levar sua fé a todos os povos, e apostaram na sua potência ao aproximar a imagem de Deus (Cristo) dos homens comuns, incitando-os a sentirem-se parceiros deste Deus sendo bons, responsáveis e respeitosos com seus próximos. Este seria segundo alguns pensadores, o principal papel das religiões, que ao emprestarem sua doutrina sobre a origem e os destinos dos homens e conclamarem-nos a seguir seus passos e conter suas paixões, resolveriam um dos mais difíceis dramas humanos, aquele que está associado à compreensão se seus aspectos destrutivos, seus sentimentos agressivos, seu ódio, sua violência, seus medos e sua voracidade: toda a selvageria que o impede de construir um lugar de convívio para si e para os seus. Mesmo em nosso paradoxal tempo de alta e ininterrupta tecnologia, em que novas ferramentas não cessam de prometer levar a todos “um pouco mais além”, permanece a busca de zonas de conforto, espaços em que o que é conhecido e verossímil parece curar a ansiedade provocada pela sensação de que não haveria mais certezas para o futuro. Ainda que seja justamente esta incerteza em relação ao que se pode esperar do futuro, o que move a todos a desejar construí-lo. Por isso, apesar de muitos adentrarem no mês de dezembro  com o sentimento de não ter podido concluir ou realizar o que planejaram para o ano que se despede, aos poucos a chegada do próximo vai se impondo e impondo um futuro. Pode até ser de mudanças. Um ótimo Natal a todos os leitores.

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