quarta-feira, 3 de março de 2010

A fidelidade sexual em foco

Causou frisson a notícia veiculada pela mídia nesta semana sobre o resultado de uma pesquisa realizada por um especialista em psicologia da evolução em Londres. Segundo ele, homens inteligentes estariam mais propensos a valorizar a exclusividade sexual do que os menos inteligentes. Sem medo de balançar a tão acalentada e propagada premissa machista sobre uma poligamia “natural” dos homens, Satoshi Kanazawa da London School of Economics teria afirmado ainda que o comportamento "fiel" do homem mais inteligente seria um sinal da evolução da espécie. O noticiário de interatividade da Eldorado Rádio Blog aproveitou o teor polêmico do tema e levou o debate ao ar, divulgando as diferentes e inesperadas reações de seu público e mostrando que o tema merece espaço e reflexão. Cabem, entretanto algumas ressalvas importantes, antes que possamos analisar a fidelidade sexual, produto de um comportamento que não é natural e sim uma escolha moral e que admite normas e tonalidades diferentes conforme a época em que vivemos. Podemos partir de nossa crença moderna no amor romântico, crença esta que não gostamos de questionar ou duvidar e que instituiu alguns dogmas que ainda compartilhamos. O amor romântico surgiu na Modernidade para dar sentido e direções à nossa então incipiente liberdade sexual, que passava a admitir a escolha de parceiros baseada em critérios individuais de atração dos corpos. Passamos a chamá-lo de amor verdadeiro, e incluir em sua receita de felicidade, a fidelidade sexual dos parceiros. Tal exclusividade funcionaria como prova inquestionável da existência deste amor, assim como a infidelidade atestaria que o amor acabou ou não teria existido. Mas o amor provou ser um sentimento volátil, às vezes incontrolável, um torpor mental que tanto podia encher-nos de alegria quanto de desespero. Por ser mutável, podia passar por fases de expansão e contração, de aproximação e afastamento, de apaixonamento e de desapego. O histórico do amor romântico demonstra que ele nos coloca em uma situação paradoxal, já que ao amarmos ficamos sujeitos às vicissitudes da contingência, a mercê do outro e, portanto dos desenganos, decepções e tormentas. Como não há garantias da permanência destes sentimentos, os caminhos para organizarmos nossa vida amorosa nem sempre são acessíveis e lógicos, o que alimenta ainda mais (a homens e mulheres) nossa expectativa de fidelidade de nosso parceiro. Porém se a fidelidade é um anseio humano, sua escolha implica mais do que nunca em uma renúncia à liberdade sexual ilimitada, anunciada e reiterada por cada parceiro. Ao afirmar que a escolha pela fidelidade implicaria em um comportamento mais evoluído, o pesquisador provavelmente se referiu ao fato de que para sermos civilizados, ou seja, para vivermos em sociedade há um preço a ser pago pelo controle sobre nossos impulsos sexuais e agressivos. A fidelidade como escolha faz parte da ética individual de cada um, e nos remete a aqueles critérios que elegemos para administrarmos nossas condutas, e principalmente nossa convivência com os outros. Em geral nossa vida sexual e amorosa também “sofre” uma evolução durante nossas vidas e é assim que podemos nos confrontar com nossas escolhas, nossas reações, nossos sentimentos (e quando conseguimos, mudá-los). Mas a verdade é que esta complexa composição entre amor, sexo e fidelidade demanda o tempo todo um confronto com as regras que construímos e que logo ali podem ser questionadas ou desconstruídas. Neste sentido o resultado da pesquisa apenas confirma algo que intuímos quando nos apropriamos de nossos destinos amorosos, o de que cabe a cada par criar e recriar seus critérios de convivência sexual e seus pactos de fidelidade, o que, com certeza requer muito investimento e quem sabe, de quebra,uma evolução pessoal

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