segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O mundo dos opostos

A imagem recém divulgada pelas mídias em que o Brasil figura entre os países bem cotados para se tornarem futuras potências do mundo pode ser analisada por diversas dimensões. Aquela que mais me atrai é a que tenta refletir sobre o peso diferencial da identidade da cultura brasileira. Acostumados a não termos muitas razões para ufanismos nacionais, parecia natural que recebêssemos de braços abertos influencias, costumes e práticas do além mar. Mesmo fazendo parte de uma América nova que poderia ser promissora, o movimento imigratório do final do século XIX e início do século XX foi diferente daquele que marcou a America do Norte. Por diversas razões, éramos menos exigentes. Ainda que o território brasileiro possuísse sua grandeza em terras, minérios, matas e águas, sua historia política foi marcadamente descomprometida com o “progresso coletivo” e voltada para interesses de poucos. Paradoxalmente, ao lado deste descaso político generalizado, se impunha uma convivência menos competitiva e mais solidária entre as diferentes culturas que aqui aportaram. Nem guetos para os imigrantes, nem grandes discriminações para os negros livres, tampouco imposições religiosas aos que não fossem cristãos. Esta “abertura” que pode ao mesmo tempo ser analisada sob o ponto de vista de um descaso de seus sucessivos governos, contribuiu para a construção de uma cultura que hoje podemos chamar de “brasileira”. Uma cultura capaz de assimilar outras, realizando ao longo do tempo uma combinação fecunda de diferentes hábitos, costumes e crenças. Em um século em que algumas religiões voltam a assombrar pelo fanatismo de seus seguidores, o sincretismo religioso do Brasil pode ser um contraponto ao mundo dos opostos que faz parte dos fundamentalismos em geral. Neta de imigrantes libaneses cristãos que fugiam da falta de perspectiva econômica de sua região - então dominada pela política turco-otomana - cresci ouvindo meus avós se referirem às diferenças religiosas de sua cultura. Cristão-árabe, judeu-árabe, muçulmano- árabe cada um destes ocupava um lugar na minha imaginação, mas estavam longe de acenar com algum sentido que importasse para a minha infância. Sempre me senti brasileira, embora convivesse (ou quem sabe por conta disso) com dois troncos diferentes de adaptação imigratória. De um lado minha família paterna que abraçou sem muitas resistências o solo tropical, sua língua, seu futuro. Já meus avós e tios maternos guardavam certa melancolia em relação às suas raízes e reverenciavam com mais ênfase suas tradições. A tradição é sempre portadora de uma memória, de um código de sentido, mas precisa ser geradora de uma continuidade. É sempre bom quando podemos transformar as “tradições” em heranças ou transmissões que irão atualizar o passado no presente, confrontar o velho e conhecido com o novo e diferente, inventar o que ainda não existe. Quem sabe esta seja a matéria prima que o Brasil conseguiu criar,hoje tão cultuada mundo afora.

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