quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Um novo caminho

O dia está só começando quando o dono de uma agência de notícias de Paris pega a sua mala. Sua expressão é de dor, sua aparência descuidada. Ele dá a volta na cama de casal em busca do olhar de sua mulher, um olhar desesperançado. Ela se apressa a fechar os olhos evitando qualquer palavra. Ao deixar a casa não percebe que seu filho adolescente o fita em silencio. Antes de entrar no taxi que irá levá-lo à estação de trem, passa em um bar e toma duas taças de vinho branco como se fossem água.Em alta velocidade o trem deixa a cidade e a paisagem do campo, com seu verde, rios, montanhas, invade sem pedir passagem. Ao contrário de filmes que nos colocam diante do tormento repetitivo de alcoólatras (Despedida em Las Vegas -1995) ou dos que se drogam até a morte ( Sid & Nancy-1986),este é baseado nos relatos autobiográficos do jornalista e produtor de TV francês Hervé Chabalier (“Le Dernier pour la Route”) quando decide por um basta a este circuito autodestrutivo. Intelectual engajado ideologicamente com o futuro da condição humana, Hervé sabe que precisa de ajuda para se livrar de sua compulsão, mas sofre ao ver-se obrigado a conviver com seus “colegas” de vício na clínica em que se interna. Seguindo algumas máximas do AA - a consagrada e mundialmente difundida reunião de alcoólicos anônimos - todos os que ali estão ou trabalham consideram-se “doentes do vício”, e Hervé passa a fazer parte de um grupo com o qual terá que dividir reuniões, refeições e lazer diariamente. De cara, surpreende-se com o ritual da “oração” repetido a cada manhã: "Que Deus me dê serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar as que posso e sabedoria para distinguir umas das outras". Sente-se invadido pela descrença e começa a duvidar da eficácia de sua escolha. Em tempo, é socorrido pela terapeuta, que o convida a tentar destrinchar o significado e a importância da frase, que impõe a cada um lembrar-se dos motivos pelos quais está ali, ou seja, do quanto ele precisará repensar seus ideais (sua relação consigo, com o outro e com o mundo), à luz de suas possibilidades e limites. Mas Hervé ainda não está preparado para tal reflexão. As constantes piadas e risadas de seus colegas sobre a relação “erotizada” de cada um com a bebida o deixam irritado. Ele está longe do toxicômano em vias de recuperação que reconhece sua impotência perante as drogas, o que talvez pudesse lhe permitir rir de si próprio. O filme é básico na apresentação do percurso de um drogadito que busca o fim do redemoinho que a droga impõe. Mas muito sensível ao mostrar como, apesar de se encontrarem no mesmo barco enfrentando as mesmas tempestades, cada integrante do grupo carrega sua historia de dores e tormentos que o levou à eleição deste “remédio- veneno”. Hervé sofre envergonhado com as lembranças de seus estados de torpor ou “apagamento” em situações inusitadas e de seu choro desesperado pela impotência diante da bebida.Ela, a “bebida”, também era sua salvadora, aquela a quem ele podia se entregar ao buscar cessar a angústia deflagrada pelo hiato entre o que ele percebia ser e o que gostaria ou deveria ser. Um círculo sem fim, em que a tentativa de evitar a realidade ou esquecê-la acaba inexoravelmente falhando, dando lugar a uma intolerável consciência de decrepitude moral e física. Historias de pessoas que às vezes conseguem traçar “um novo caminho”, às vezes não.

Para conferir: Um novo caminho
Nome original: Le Dernier Pour la Route
País: França/2009
Direção: Philippe Godeau
Com: François Cluzet, Mélanie Thierry e Anne Consigny

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