quinta-feira, 29 de julho de 2010

Assim caminha a humanidade

Sou das que acredita na frase que diz que a infância é nossa pátria. Quantas vezes nos pegamos lembrando fatos, objetos, palavras, cheiros ou sentimentos desta época de nossas vidas a partir de algo que vemos ou vivemos no presente? Foi assim que pude resgatar um empoeirado sonho de possuir um diário quando pequena. Não qualquer um, mas um especial, que tivesse uma capa acolchoada branca com os dizeres “Meu Diário” em dourado e que ficasse guardado em algum lugar cujo acesso só eu teria. De família numerosa e do interior, cresci rodeada de irmãos, primos, quintal e rua para brincar, sem lugar e tempo para este colóquio interno comigo mesma. Mas me perdi em livros os mais diversos na minha pré-adolescência, aproveitando-me do fato de morar a uma quadra da Biblioteca Municipal. Às vezes me imaginava escrevendo, sempre com aquele começo romântico - querido diário- para em seguida contar em palavras bonitas e escolhidas a dedo, sobre o meu dia, meus feitos, meus desejos. Como seria bom falar com um terceiro “sem nome” sobre o que me inquietasse a alma, fossem questões não resolvidas ou aquelas que ultrapassassem as possibilidades de entendimento. Um interlocutor, alguém eleito para confiar meus mais secretos sentimentos. Já cursando a faculdade e (nem tão) longe de minha família, cheguei a ter um caderno brochura comprado especialmente para cumprir esta tarefa de companheiro especular, que pudesse escutar e guardar em um lugar seguro e acessível, as conjecturas sangradas nos momentos de angustia, solidão e desamparo. Mas foi por pouco tempo. Ainda guardo o caderno, já com muitos anos de vida, esquecido em alguma caixa, junto às cartas trocadas com meus pais e irmãos na época, pedaço importante de um período significativo em que precisamos costurar nossa infância com nosso futuro de adultos. Assim como a história da evolução da própria humanidade com todas as aquisições que isto significa em termos de conhecimento e de reflexões sobre os modos de se explicar e responder as indagações que fazemos sobre nós, os outros e a realidade, é fundamental que possamos ressignificar nossas lembranças da infância, ajustando-as aos nossos ideais do presente. Mas ao contrário de algumas décadas atrás, quando nasci, hoje existem novas e inusitadas opções para se dividir os momentos de satisfação e de angústia que cada um enfrenta em seu cotidiano. Há uma geração “conta-tudo” que nasceu na era do acesso à rede e que costuma compartilhar qualquer coisa de sua vida na web. Aos trancos e barrancos, acertos e erros, esta geração terá que se haver com as conseqüências (boas e más) deste peculiar modo de se estar e viver no mundo atual. A “visibilidade” na web pode favorecer a divulgação de talentos, trabalhos e pensamentos que nem sequer seriam veiculados, possibilitando parcerias ou soluções. Mas pode ser cruel, assim como a “vida real”, caso as informações postadas não possam contar com alguma reflexão sobre seus possíveis destinos. Ao contrário dos pequenos diários escritos por muitos que já se foram, para este mundo web, não há como restringir ou limitar o acesso dos leitores, nem impedir que cada um interprete o que lê como bem quiser.

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