quarta-feira, 28 de julho de 2010

Um crime para dar o que falar

Ainda em clima de Copa do Mundo, quando de quatro em quatro anos nosso país pára e lojas, bancos, escolas e tudo mais seguem os ditames da tabela de jogos, fomos surpreendidos com a notícia de um crime bizarro cujo personagem central seria o goleiro de um dos times mais cultuados do Brasil, ganhador de dois títulos importantes no ano passado. Conhecido como a Nação Rubro Negra por ter o maior contingente de torcedores, o Flamengo é tipicamente carioca e coleciona, dentre suas estrelas, algumas polemicas como as de Romário e Edmundo e mais recentemente Adriano, exemplos de atletas que freqüentam tanto as páginas de esportes como as de celebridades excêntricas. A notícia de que Bruno, o aclamado goleiro do Flamengo, seria o mandante da morte de uma ex-namorada e mãe de um possível filho seu, passou a fazer parte do dia a dia dos noticiários de todos os jornais do país. Nas capas de revistas, um homem alto, moreno, corpo atlético, chamava a atenção por sua face inexpressiva, impassível. Como acontece em crimes deste porte, passamos a ler curiosamente os detalhes da novela que antecedeu a tragédia, ligando fatos, ameaças, confissões, denúncias, relatos de testemunhas, estória de vida de cada um. Em qualquer lugar, este seria o assunto a ser discutido, provocando surpresa, horror, repulsa, enfim, trocas inflamadas de pareceres sobre os motivos ou o destino de Bruno. Vindo de uma família pobre, criado pela avó, o goleiro tinha boas razões para se orgulhar de sua conquista, fosse pelo salário de causar inveja a qualquer um ou pelas chances de realizar o sonho acalentado de jogar na próxima copa defendendo a seleção brasileira. Já Eliza, a mãe de Bruninho, depois de vagar à procura de um lugar ao sol talvez sonhasse em ser amparada pelo goleiro, via a comprovação de sua paternidade. Até aí, são estórias banais iguais as de milhões de pessoas que anseiam por este pequeno espaço habitado pelos que ganham dinheiro e fama. Mas a de Bruno tem um “plus”, um “não sei o quê” que reverte as expectativas, que ultrapassa os limites. Ele acredita que sua lei pode ser a lei de seu desejo, de suas escolhas e de suas avaliações sobre o mundo e as pessoas. Ele parece não temer as conseqüências de seus atos e longe disso, reitera a lógica que o fez descartar a mulher que o importunava com o pedido de reconhecimento de um filho que ele não queria. Nossa consciência crítica, aquela que gerencia nossas satisfações e nossas culpas diante do que consideramos transgressivo faz com que nos choquemos diante desta “im-passividade”. A ausência de arrependimento, de vontade de reparação ou consideração causa-nos tal estranhamento que passamos a compactuar com os que decidem “abandonar” o goleiro à própria sorte. Que ele seja entregue aos famintos leões e consumido vivo! De nossas janelas, assistimos ao mesmo tempo imparciais (seguros) e intrometidos os indícios de assassinato, os destinos dos envolvidos, tal e qual em um filme de suspense que nos provoca medo e alívio ao mesmo tempo. Medo dos afetos e sentimentos que podem nos surpreender e alívio por estarmos fora, apenas assistindo. De repente um fato questiona estas previsões: uma criança vestida com a camisa do Flamengo, de mãos dadas com o pai, pede ao repórter para dizer ao Bruno que ela o ama. Crenças infantis, das quais muito penosamente nos livramos.

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