quinta-feira, 1 de julho de 2010

Possíveis razões de desrazões

Conhecido por suas afirmações que ora celebram a si próprio ora desmentem falcatruas que o envolvem, o deputado Paulo Maluf anda dizendo não temer que a Lei da Ficha Limpa impeça sua candidatura à reeleição à Câmara Federal, ou mesmo que seu registro seja negado pelo Tribunal Regional Eleitoral. Ao contrário, utilizando suas estratégicas frases repetiu: "A minha ficha é a mais limpa do Brasil". Condenado em decisão colegiada há dois meses por compra superfaturada de frangos em 1996, então prefeito de São Paulo, Maluf também é procurado pela Interpol fora do país, tem seus bens bloqueados pela Justiça brasileira, processos por crimes financeiros, de lavagem de dinheiro e contra a administração pública. Como é sabido, o projeto Ficha Limpa nasceu de uma campanha lançada em 2008 e coletou mais de 1,5 milhão de assinaturas de eleitores que exigiam uma “limpeza” em nossos órgãos representativos , graças às possibilidades de comunicação e intercâmbios que a internet propicia. Espaço democrático por excelência, muitas vezes a diversidade e velocidade com que as notícias daqui e do mundo circulam virtualmente permite que possamos conferir, avaliar, compartilhar, criticar, etc. Assim é possível saber que o PSDB de José Serra decidiu recentemente apoiar a candidatura do ex-governador Joaquim Roriz para o Distrito Federal, mesmo diante do fato deste ter tido que renunciar ao Senado em 2007, resultado de uma investigação sobre desvios ocorridos no Banco Regional de Brasília. Sabemos que às vésperas de eleições de tal porte como as de presidente do país e governadores, um número sem fim de acordos e apoios políticos tramita veladamente entre os candidatos, todos em busca de votos e lugares garantidos. Neste sentido tanto Maluf quanto Roriz (e sem dúvida poderíamos acrescentar muitos outros políticos brasileiros) representa algo que os transcende: mantêm uma eterna porcentagem de eleitores que, sem se importarem com suas contravenções ou seus discursos estritamente demagógicos, continuam fiéis em seus votos. Porque estes eleitores parecem permanecer impermeáveis às denúncias ou aos desmascaramentos públicos de seus favoritos? Como explicar o fascínio de muitos de nós diante de certos líderes que, ao contrário do que se espera de uma autoridade pública, não se importam em manter uma “ficha” pessoal pautada por uma ética transparente? É possível que a atração exercida por estes políticos (assim como por certas “celebridades”) esteja no fato destes serem portadores de uma audácia que a grande maioria de nós gostaríamos de ter com a lei, mas que ao longo de nossas vidas tivemos que interditar a favor de nossa convivência com os outros. É como se pudéssemos realizar através deles, nosso desejo de transgredir, de não precisar nos submeter às regras sociais que nos cerceiam e nos obrigam a levar em consideração os direitos iguais que a lei tenta garantir a todos. De forma simplória seria como se pudéssemos agir em interesse próprio sem que isso nos prejudicasse legalmente, nos comprometesse moralmente ou nos enlouquecesse internamente por nosso sentimento de culpa. E como não nos autorizamos a isso por todas as conseqüências que as transgressões às leis ou às normas demandam, alguns de nós desloca seu desejo através de votos ou devoção aos que conseguem driblar este funcionamento e sair aparentemente ileso. As razões destas desrazões não são fáceis de serem detectadas, mas podem ser explicadas. Quando crianças podemos explorar, exagerar e transgredir seguindo somente nossas satisfações.Não importa muito se as nossas intenções ou se o que fazemos irá perturbar o outro. Mas é graças aos cuidados de nossos pais ou de quem quer que ocupe este lugar que seremos alertados sobre o que podemos causar aos outros e convidados a sentirmos o que os outros podem estar vivendo em suas dores ou desconfortos. É assim que construímos nossos sentimentos morais de vergonha, culpa e nojo e será de porte destes que poderemos ter consideração às misérias alheias, nos arrepender de atos danosos ou desejarmos repará-los. Muitos (espera-se que seja a maioria) irão fazer suas escolhas, mesmo que à custa de renúncias e resignações, pautados nestes sentimentos de consideração ao outro e ao coletivo. Alguns, porém, formarão o time dos que buscam incessantemente o poder ou a fama como lugares que os isentam de seus compromissos com os outros. Por isso a cultura (nós) precisa reiterar indefinidamente seus mecanismos de regulação das relações entre as pessoas.

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