quinta-feira, 8 de julho de 2010

Entre alegria e decepção

Todo brasileiro sabe que os dias que antecedem às Copas Mundiais de Futebol também anunciam que o país entrará em recesso. Há uma espera ansiosa pelos momentos dos gols que deverão definir a vitória do time verde e amarelo. É comum que os dias em que há jogos do Brasil já amanheçam diferentes, nervosos. Ao passear pelas ruas minutos antes do início das partidas percebe-se uma transformação da população em um grande coletivo nacional e todos parecem estar confortavelmente instalados em um “big buffet infantil”. Não há diferenças de idades, raças, aparências: está concedida uma informal licença do cotidiano que autoriza cada um a vestir qualquer coisa que lembre a identidade patriota, sejam grandes chapéus, fitas,vuvuzelas,apitos, bandeiras. Carros buzinam incessantemente , sejam a lembrar que já é hora de estar a postos em alguma tela, ou para alardear a inquietação que virá com o tempo de espera que cada partida impõe. Bares, padarias e restaurantes embandeirados disputam a clientela exibindo grandes e moderníssimas TVs ligadas no alto e exaltado som dos locutores. Levas de funcionários tagarelas e devidamente aparelhados de algum item verde-amarelo saem de suas empresas em direção a algum local eleito para ver o jogo. A diferença de fuso horário entre a África e o Brasil definiu (sem qualquer oposição) alguns semi-feriados nacionais: grandes e pequenas empresas, chefes e subalternos, patrões e empregados não discutiram tal prerrogativa. É provável que em nenhum outro país a população acedesse tão prontamente ao parêntesis geral formado pelos jogos nacionais. Canais de TV, pagos ou gratuitos ofertaram seus pacotes de celebridades: locutores mais disputados, ex-jogadores (e craques) mais dispostos a emprestar sua experiência para palpitar sobre as melhores estratégias, grandes “teóricos” (mais conhecidos como boleiros), que a cada jogo se reuniam em torno de uma mesa desde o amanhecer até o final da noite, no antes e no depois, comentando, criticando, justificando ou crucificando jogadores e técnicos. Pela tela era possível também conhecer um pouco mais da África, este país meio irmão nas cores, na música, nos desafios e na diversidade cultural de seu continente. Era franca e maciça a torcida africana dedicada ao Brasil. E, ainda que a seleção brasileira houvesse decepcionado desde sua estréia,a esperança de um próximo jogo que fizesse brilhar o melhor futebol do mundo continuou a alimentar a grande maioria. Ninguém queria ouvir a temida frase que sela o fato do futebol ser “uma caixinha de surpresas”. Há que se tentar prever e controlar possíveis furos. Vários jornalistas, colunistas de áreas as mais diversas (cinema, economia, cultura, política) derramaram suas análises sobre os rumos da seleção de Dunga, sobre a Copa, os times adversários, ditaram regras, tentaram consertar táticas. Com tamanho investimento pessoal de cada torcedor, era natural que a derrota fosse sofrida e, apesar de tudo, inesperada. Muito doída mesmo. Como consolar o país, todo vestido de verde e amarelo, sobre um resultado adverso? Teria sido o imponderável, o caráter imprevisível de todo jogo (a jabulani ?) ou a equivocada convocação dos jogadores e as estratégias armadas por seu técnico? Foi despreparo psicológico? De heróis a vilões, jogadores e técnicos evitaram aparecer nas telas e encarar o olhar de tantos. E no dia seguinte o grito parado explode no samba feito para a seleção da Alemanha. Nossos “irmãos” e arquirivais argentinos são duramente eliminados. Ainda na festa do parque infantil, vestidos de verde amarelo, respiramos aliviados. A Alemanha é outra cultura, outro mundo, outro futebol. A Argentina campeã do mundo iria doer demais. São demasiadamente vizinhos.

Um comentário:

  1. Numa crônica de 1921, Graciliano Ramos dizia que o futebol era moda passageira, jamais pegaria no Brasil.
    “Mas por que o football?
    Não seria, porventura, melhor exercitar-se a mocidade em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, o murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo? Não é que me repugne a introdução de coisas exóticas entre nós. Mas gosto de indagar se elas serão assimiláveis ou não.
    ...
    Ora, parece-nos que o football não se adapta a estas boas paragens do cangaço. É roupa de empréstimo, que não nos serve.
    ...
    Estrangeirices não entram facilmente na terra do espinho. O football, o boxe, o turfe, nada pega.”
    E sugeria:
    “Reabilitem os esportes regionais que aí estão abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o salto, a cavalhada e, melhor que tudo, o cambapé, a rasteira.
    A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência!”
    Bem, esse não foi o único fora do Graciliano. Quando era gerente editorial da Livraria José Olympio, ele negou um prêmio literário a Guimarães Rosa, então um desconhecido, porque os contos de Sagarana não tinham mensagens edificantes ao proletariado.
    Fonte: Leandro Narloch, “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, Ed. Leya, 2010.
    Décio Milnitzky

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