sábado, 3 de julho de 2010

Saramago

Final de janeiro de 2005 em Porto Alegre. Fazia muito calor e os dias lindos de sol e céu azul combinavam com o colorido da multidão diversificada que comparecia ao Fórum Social Mundial. Éramos um grupo de psicanalistas convocados por Paulina Rocha (psicanalista de origem croata que vive em Recife desde a década de 70) para escutar os sons que viessem deste inusitado encontro de pessoas do mundo todo em busca de trocas de idéias sobre os rumos de nossa condição humana. Havia uma fila imensa para entrar no Auditório Araújo Viana, local em que deveriam se apresentar os escritores, o português José Saramago e o uruguaio Eduardo Galeano em uma conferencia denominada “Quixotes de Hoje: Política e Utopia”. De minha parte havia uma especial expectativa em torno dos pronunciamentos que viriam de Saramago, autor de obras singulares como “O evangelho segundo Jesus Cristo” ou “Ensaio sobre a cegueira”.Um escritor que não se afastava de seu papel de vivente contemporâneo, ao colocar suas idéias sempre voltadas ao futuro dos homens e de seu mundo. Foi um encontro feliz. Jamais me esquecerei de sua postura humilde, sensível e sagaz, ao se colocar frontalmente contra a idéia de qualquer utopia que pudesse funcionar como ideologia anestesiante. Saramago já estava com mais de 80 anos e sua luta era pela vida, mas isso significava trabalho: um trabalho permanente de reflexão, de ações, de comprometimento com o que poderia fazer sentido para o futuro humano. Que não nos alienássemos em utopias confeccionadas para preencher nossos sonhos. Dom Quixote teria habitado outras terras, outras épocas mais românticas, em busca de um mundo mais justo. A vida deste escritor é de fato uma luta. Contra qualquer designação do destino, Saramago vinha de uma família de analfabetos humildes e nem imaginava que pudesse se tornar um escritor. Mas quando convocado a falar sobre si e sua vida não se utilizava de uma ética ressentida, comum a muitos que parecem querer se vingar de empecilhos injustos do passado; ao contrário, apresentava-se de forma consistente e robusta como cidadão do mundo em seu estágio atual. Lúcido, doce e simpático, parecia afirmar reiteradamente o presente como forma de pensar o futuro, quem sabe um sinal de sua ânsia pela possibilidade de apreender definitivamente o sentido da vida, mas não para guardá-la para si. Fazia uso da condição de prêmio Nobel para reivindicar a escuta de sua voz. Aos 63 anos deixou-se afetar e viveu intensamente sua paixão por Pilar, a jornalista espanhola e sevilhana, 28 anos mais jovem, que se enamorou primeiramente do escritor, o que a fez desejar conhecer o ser atrás do livro. Todos os seus futuros livros mereceriam uma citação à sua musa inspiradora, como a reiterar uma de suas frases mais imponentes: a de que “nossa única defesa contra a morte, é o amor”.

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