segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Sua majestade, o bebê

O cinema continua nos premiando com a possibilidade de fazer circular temas que em geral nos são impactantes ou que raramente entram no discurso de nosso cotidiano. É o caso de “O estranho em mim”, filme alemão que traz à cena a depressão pós-parto vivida por inúmeras mulheres (entre 10% a 25% segundo dados brasileiros). Rebecca tem um comércio de arranjos de flores naturais cultivadas em sua linda casa, que neste momento se transforma para a chegada de seu primeiro filho. Julian, o futuro pai, mostra orgulhoso à seu pai, uma das portas do armário da cozinha transformada em “cabaninha” já à espera deste novo ser que passará a dividir a casa, a rotina e a vida com eles. Os bebês são assim, sempre uma promessa, um espaço virtual em que esperamos que se inscrevam as marcas de um futuro. Mas impõem perguntas nem sempre possíveis de serem respondidas antecipadamente. Em geral o período de gestação é mesmo uma preparação necessária a cada mulher nesta função que para nós humanos, tem o peso de uma transmissão geracional que não se reduz à biologia, e sim abarca a nossa própria história de seres de cultura. Esta passagem de filha à mãe implica sim em um “frio na barriga” e em geral transporta a cada uma de nós às nossas reminiscências infantis femininas e a todas as tentativas de nos tornarmos mulheres adultas. Estaríamos aptas a cuidar deste que habita por algum tempo nosso ventre? Claro que a cultura atual se encarrega de nos oferecer um verdadeiro arsenal de serviços, informações e cuidados. Há pouco tempo a mídia divulgou a abertura de uma Universidade de Pais na Espanha que por meio de aulas organizadas por especialistas e fundamentadas em princípios da pedagogia e da psicologia, pretendia ensinar adultos a educar seus filhos desde o período da gestação. Mas o que este filme apresenta é justamente aquilo que escapa ao conhecimento técnico e que é próprio ao acontecimento psíquico do nascimento de um bebê para a mãe dele. Paradoxalmente, ao lado da idealização da maternidade mantida pela cultura, o nascimento de um filho nos coloca diante de um estranhamento que precisará ser ultrapassado. Quando isso não é possível, a mãe vive o inferno: a angústia por não se reconhecer, a culpa pelo “não amor infinito” ao seu bebê, o contato com seus sentimentos hostis e agressivos e a solidão (e o desespero) destas vivencias. Assim como pode ser difícil para esta nova mãe tornar-se “naturalmente mãe”, também não será fácil para os familiares aceitarem esta “ausência de mãe”. Rebecca vive este inferno solitariamente até que, sem encontrar saídas possíveis, “foge” de seu filho, possivelmente como uma forma de protegê-lo de si mesma. Com roteiro e direção femininos (Emily Atef), o filme presenteia as mães e seus dilemas, neste que é um momento de extrema tensão à vida de todas. Mas também contribui com a abertura de um tema em geral tabu, por conter o insuportável e o insustentável da experiência humana da ambivalência.


Para conferir: O Estranho em Mim
( Das Fremde in mir / The Stranger in Me) Alemanha 2008
Direção: Emily Atef

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