quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Mr. Freud

“Durante a vigília, vejo um tigre e tenho medo; no sonho, tenho medo e vejo um tigre”
Jorge Luis Borges


Pensadores importantes de áreas diversas e épocas diferentes já habitaram as bancas de jornal em coleções que pretendiam ampliar a divulgação (fato que acho louvável) de seus feitos. Recentemente a mídia vem anunciando uma nova coleção de livros sobre alguns que mudaram o mundo, ocasião em que será ressuscitado Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Darwin, Marx, entre outros nomes que contribuíram com suas idéias em áreas como a filosofia, a política, a economia, a religião, e fizeram diferença na maneira como pensamos o mundo e a nós mesmos. A surpresa fica por conta de que um destes livros será dedicado a Freud o que o eleva ao patamar dos personagens importantes da história da humanidade. No senso comum, Freud é lembrado sempre que achamos que ele “explicaria” certos atos ou pensamentos humanos que fogem ao padrão considerado corriqueiro. Quem nunca ouviu a célebre frase “Freud explica”? De certa forma este jargão popular não deixa de apontar para o sentido do “novo campo de saber” inaugurado por Freud, batizado de psicanálise, um ramo da psicologia que se situa entre a filosofia e a medicina e que busca explicar os conteúdos de nossa vida psíquica que ficam fora de nossa consciência. Nossos sonhos seriam o paradigma deste funcionamento psíquico “inconsciente” ou virtual já que insistem em nos causar um estranhamento ao deixar emergir, sempre disfarçados, certos conteúdos soterrados em algum lugar de nossa memória afetiva. Os lapsos, as piadas e finalmente nossos sintomas psíquicos seriam outras das produções deste lugar ao mesmo tempo longínquo e familiar. Por isso nossa história oficial, aquela com a qual nos apresentamos, tem sempre uma versão própria que precisa incluir nossas crenças e fantasias e até sofrer ratificações a fim de escamotear seu conteúdo reprimido. Mas ainda que a cultura atual já tenha absorvido muitas das contribuições da psicanálise tais como a importância atribuída às experiências infantis e aos pais enquanto influência fundamental e determinante para o futuro de cada um de nós, há sempre resistências tanto no nível individual quanto no coletivo, na admissão de uma vida psíquica complexa cujas dimensões possam co-existir sem o nosso conhecimento absoluto. O próprio Freud já teria antecipado tais resistências ao comparar sua psicanálise ao inevitável caos e desordem da chagada da “peste” nos séculos anteriores. No bojo desta inquietação estaria o fato dela não endeusar a consciência e repetir indefinidamente o quanto somos movidos a paixões, o quanto nosso eu não é senhor em sua própria casa e o quanto muito do que somos nos escapa. Não custa lembrar que a experiência psicanalítica, por meio de um dispositivo simples– falar sobre nós mesmos a uma outra pessoa – convida-nos a um mergulho aos meandros de nossa alma, a fim de que possamos tentar conhecer algo daquilo que nos determina à nossa revelia e que nos leva, na maior parte de nossas vidas, a atribuir a outros (pais, parceiros amorosos,chefes, corpo) as nossas infelicidades. E é justamente por não excluir, ao contrário, incluir estes fatores que não estão disponíveis, que ela continua sendo uma experiência que pode levar a uma profunda transformação de nós mesmos: ao permitir que descubramos mais de nós ao nos ouvir falar, que possamos quiçá encontrar e elaborar nossa historia e nossa vida dando-lhe um sentido que não seja demasiado custoso, que nos ajude a encarar a brutalidade do mundo sem a necessidade de interpretá-la como se fosse um complô ou uma penitência merecida por ousarmos criar novos rumos para nossas vidas.

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