quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Quem sou eu?

Quando o historiador Walter Isaacson, escolhido pelo próprio Steve Jobs para ser seu biógrafo, perguntou-lhe ao final da maratona de entrevistas e conversas sobre sua vida, porque ele, sempre discreto, estivera tão disposto a  se abrir e falar de si, ouviu algo surpreendente. Steve Jobs queria que seus filhos o conhecessem melhor, soubessem de seus feitos e entendessem as razões pelas quais ele nem sempre pudera estar presente. Personalidade midiática, glamourizado e convertido em símbolo, é provável que Steve Jobs quisesse desvendar o homem atrás do mito e quem sabe, ao ajudar a construir textos sobre sua vida pessoal, tornar cada leitor um crítico/parceiro de sua identidade. Não só pelas biografias - que as estatísticas apontam um crescimento jamais visto - mas há hoje um certo apelo para o entendimento de si e o falar de si. E os motivos não parecem simples ou poucos. Por um lado, em um mundo sem critérios rígidos e prévios para eleger celebridades, a fama projeta pessoas dos mais variados setores e as coloca sob o foco da curiosidade mundana, um verdadeiro culto à privacidade pública. Pessoas que se veem, de repente, incitadas a criar discursos atraentes sobre si e a ensinar os passos para se alcançar uma “identidade” bem sucedida. Por outro lado a invisibilidade assusta: como viver sem saber quem somos ou sem ter algum reconhecimento que nos devolva um saber sobre nós? O temor a este vazio (ou vácuo) poderia ajudar a alimentar uma dimensão imaginária do si mesmo? A verdade é que a complexidade do ser humano (que não cessa de aumentar) nos mostra que não há fórmulas mágicas e prontas que possam dar conta de todas as suas dimensões. Desde que nos pusemos a tentar entender nosso “eu” só conseguimos falar de nós como seres fragmentados, ora apontando nossos ideais, nossos sonhos, ora nossas conquistas e triunfos, ou ainda nossas descrenças e medos, nossas fragilidades e impotência, e por aí vai. A psicanalise contribuiu bastante para um olhar diferenciado sobre o funcionamento de nosso psiquismo, nossa subjetividade com seus paradoxos e incertezas. O fato de a cultura atual funcionar  em grande parte pela lógica do marketing, buscando incessantemente capturar  nossos desejos e paixões mais profundos para produzir ofertas de prazer e felicidade, ou criando formas de encantamento que nos projetem e nos tornem visíveis não garante a cada um, um lugar ao sol. No mundo business, por exemplo, a subjetividade ganha espaço e há um verdadeiro mercado de identidades profissionais bem planejadas, cuidadosamente descritas para que ganhem coerência, atualidade e estilo. Se no escurinho de nossas camas, precisamos nos esforçar para acreditar no personagem, nem sempre é fácil “cair na real”  e viver  a vida na sua dimensão real. Ao planejar sua própria biografia por saber que sua vida estava próxima ao fim, Steve Jobs pode ter desejado participar de alguma maneira na perpetuação de sua imagem. Porque não planejar seu futuro pós-morte? No final das contas todos  precisamos “esquecer” que  a vida dura somente o espaço entre o nascimento e a morte  e precisamos sim da construção de uma confiança imaginaria no destino e da criação de ficções sobre a importância que temos para os outros ou sobre o significado de nossos atos corriqueiros.

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