quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Dorviver

Todos nós já pudemos viver os transtornos que a falta de energia causa em nossas rotinas. Seja em casa, no trabalho ou nos momentos de lazer, só conseguimos avaliar como e quanto o aparato eletroeletrônico governa nossas vidas quando este mundo- cujo funcionamento nos é quase sempre desconhecido e inacessível - emudece. Desamparados e impotentes resta-nos esperar que aquela “entidade” formada pelos técnicos que dominam esta linguagem esquisita possa rapidamente nos devolver o mundo iluminado e eficiente que rege nosso cotidiano. Uma lembrança que deve ter contribuído para me introduzir a este tipo de “consciência crítica” foi quando, pela primeira vez, conheci o interior de meu radinho de pilha. Como era possível que alguém pudesse saber onde começar a procurar as razões de sua “morte” naquela infinidade de micro pontinhos - prateados e dourados- ligados por milhões de finos e coloridos fios? Assim também nos sentimos quando nossos carros param de funcionar ou nossos corpos passam a emitir ruídos de “dor”. Sem entender os motivos de seu “cansaço” ou de suas “falhas” buscamos aqueles que nos darão alguma pista do que fazer. Não há dúvidas de que temos que dar graças a esta porcentagem da população global que se dedica a estudar e a pesquisar este complexo mundo biotecnoeletronico e suas minúcias e assim nos contemplar com novas e melhores chances não só de usufruirmos de suas benesses, mas de contar com seu conhecimento quando somos assaltados pelas suas deficiências e caímos nesta “vala” dos “sem saber o que fazer com isso”. Por isso investimos na “saúde” de nossos aparelhos, veículos e corpos. Com os dois primeiros podemos trocá-los constantemente por novos e mais eficientes. Para o nosso corpo existem computadores e máquinas de última geração que nos informam sobre seu funcionamento geral e acusam os setores precários que necessitam cuidados pontuais. De certa forma sabermos que existe este “Saber” nos conforta. O duro é quando estamos em algum tipo de sofrimento, já encerramos a investigação sobre suas causas e voltamos para nossas rotinas com etiquetas que indicam serem nossas dores advindas do “stress” ou de problemas emocionais. Como traduzir isso em explicações plausíveis? Na tentativa de preencher esta falta de saber passamos a buscar pedaços de nossa história que nos pareçam reveladores de tal sofrimento. Traumas violentos, famílias desestruturadas, bullying, injustiças amorosas, vale qualquer coisa que compartilhe das tendências das manifestações do espirito para legitimar nosso sofrer, mesmo que ele resista a medicamentos e persista ao longo dos anos. É como se este tipo de sofrimento, mais conhecido como dores da alma, nos impusesse um certo “não saber” sobre nós mesmos. Pior, um “não saber” que, sem nos darmos conta, não fazemos questão de saber. Na verdade a própria “natureza” de nossa alma é paradoxal já que gestada-  desde o início de nossas vidas - em torno de nossos conflitos e de nossas tentativas de solucioná-los, nem sempre satisfatórias. Na briga entre o que precisamos e o que desejamos, o que deveríamos fazer- segundo as normas que regem nossa cultura ou as apostas que fizemos em nós mesmos- e o que queremos fazer, nas escolhas (nem sempre claras) que fazemos, e no que esperamos receber daqueles que nos são caros, cada um tece de forma particular um estilo, um jeito de ser e de enfrentar a vida. E de produzir seus males. Os psicanalistas precisam passar pela experiência de descobrir suas próprias cegueiras, seus pontos estratégicos de fuga de suas dores, e todas as proteções que criam para os excessos de luzes e sombras que atormentam seu espirito, para tentar ajudar (ou guiar) aos que os procuram, a mergulhar na profundeza de suas almas.

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