domingo, 8 de janeiro de 2012

Um homem invisível?

Claudio Torres ficou mais conhecido pelo público brasileiro após o sucesso de seu filme “A mulher invisível” (2009) em que Selton Mello inventa a mulher perfeita (Luana Piovani) para não precisar mais sofrer de amor. Mas tem em seu “DNA” o fato de ser filho de Fernanda Montenegro e Fernando Torres (já falecido), além de irmão de Fernanda Torres, um time de atores nacionais de primeiríssima linha. Em 2011 ele lançou mais um filme, “O homem do futuro” em que Wagner Moura interpreta um cientista e professor amargurado e solteiro (João), na faixa dos quarenta anos, que pesquisa uma nova fonte de energia barata e renovável, mas está prestes a ter sua verba cortada. Pressionado e sem perspectivas, ele decide testar (apesar de muito medo) sua máquina de produção de energia que acaba levando-o “involuntariamente” ao passado, na mesma data em que foi humilhado publicamente por Helena (Alinne Moraes) e ganhou o apelido de Zero, sua sina até os dias atuais. Gago, “nerd” e perdidamente apaixonado por Helena - a “deusa” desejada por todos os homens da faculdade - neste mesmo dia ela havia declarado seu amor por ele depois de tê-lo conhecido mais intimamente graças às aulas particulares de matemática que ele gentilmente lhe concedia. Em êxtase total, minutos antes da trágica e para sempre dolorosa humilhação, ele se prepara para cantar com sua amada a música “Tempo Perdido” de Renato Russo na festa à fantasia que anuncia o final do curso. É neste instante que o “outro” João, aquele que ficou trancafiado neste vergonhoso e insuportável sentimento de si, chega do futuro, consegue “assistir” as cenas do triunfante e inocente João e decide tentar mudar seu próprio destino. A comédia romântica é um gênero que agrada ao público em geral e foi este clima ameno e engraçado que o diretor escolheu para abordar um dos sentimentos humanos mais adstringentes: a humilhação e a vergonha que a acompanha, cujo peso aumenta e muito quando vivida na adolescência. Não por acaso o bullying se tornou uma preocupação quase global. Embora alguns críticos classificassem o filme como ficção cientifica, sua trama estaria muito mais comprometida com a complexidade de nossas vidas subjetivas, principalmente ao apontar a importância de certas vivencias passadas e traumáticas e o quanto elas podem nos enclausurar para sempre em circuitos fechados e repetitivos. O João que sofrerá esta fatídica exposição é um jovem tímido, cuja gagueira já sinaliza suas inibições e, portanto fadado a viver com horror sua vergonha pela revelação de sua fragilidade e perda de qualquer dignidade. Seu precário mundo interno irá se desmoronar aos olhos dos outros, e só lhe restará viver uma vida monocromática, melancólica e ocupar o desagradável lugar de vítima com espasmos ocasionais de muito rancor. Seu fundo musical será embalado pela cáustica letra de “Creep”( Radiohead) anunciando o sentimento de si (“verme”) e o ressentimento que permeará sua vida, estampado na frase “I wish I was especial” ( eu queria ter sido especial). O mais interessante deste filme, no entanto é a solução encontrada pelo diretor para retificar este destino e possibilitar uma virada na vida de João a fim de que ele deixe de ser Zero. Se em um primeiro momento a “volta ao passado” (quem nunca se imaginou retrocedendo a algum acontecimento passado para muda-lo?) tem a finalidade de apagar o sofrimento dilacerante da vergonha, impedindo simplesmente que o fato aconteça, na sequencia e diante das consequências desta tentativa de eliminar os “maus” momentos e as dores por eles geradas, um terceiro João, mais distante de seu ódio e sina, admite a humanidade da experiência de sua vergonha e reúne a coragem necessária para  deixar sua vida rolar. Wagner Moura fará três versões de João, em momentos diferentes de sua vida, tratando de fazê-los conversar um com o outro para ampliar sua visão de homem e de si, rever/ajustar sua historia e enfim viver o amor e a dor. O trecho abaixo da letra de “Tempo perdido” é uma amostra deste deslocamento: sai o tom ácido do drama, ainda que não se elimine as dificuldades do caminho sempre tortuoso que cada um precisa percorrer para se tornar “gente”.

Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes
Acesas agora
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens...”

Para conferir: O Homem do Futuro (Brasil, 2011)                                      Direção: Claudio Torres                                                                             Elenco: Wagner Moura, Alinne Moraes, Maria Luísa Mendonça, Gabriel Braga Nunes e Fernando Ceylão

Nenhum comentário:

Postar um comentário