segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Reticências

Uma amiga gaúcha que reside há décadas em uma praia paradisíaca do Nordeste (afastada dos grandes centros), fazia um relato pesaroso sobre a relação dos “nativos” com a pesca de peixes ou com a exuberância de suas praias e mares. Como era possível que não se importassem com a visível degradação ambiental via despejo de dejetos e restos de todas as naturezas? Sentia-se propensa a criar uma associação de moradores locais para fiscalizar a preservação daquele pedaço de “céu”, mas temia que sua proposta não encontrasse eco algum. Eles pareciam longe de se perceberem agentes políticos capazes de fazer diferença na melhoria das condições de suas próprias vidas. O pescador sabe que a lei o impede de usar uma rede muito fina que retenha junto aos peixes grandes, os recém-nascidos, mas não sabe avaliar as consequências de seu desinteresse para o futuro de sua vida e de seus filhos. Mesmo falando de um lugar de impotência, minha amiga incitava a uma reflexão, convocava seus ouvintes a pensar junto com ela as ações (soluções) que pudessem “afetar” a consciência crítica do povoado e quem sabe provocar mudanças em seu comportamento. Sua preocupação poderia ser considerada uma gota no oceano, uma atividade política bem ao estilo contemporâneo. Os movimentos “Ocupe” que pipocaram nos USA e repicaram em muitos outros países (inclusive por aqui), as ocupações de praças em países árabes islâmicos, ou na Europa, seriam novas maneiras de escrever ou fazer história, um movimento social globalizado facilitado pelo acesso cada vez maior de todos ao mundo internáutico. Mesmo que combinem diferentes reivindicações ou que fracassem em curto prazo ninguém pode negar-lhes o estatuto de ato politico e democrático no sentido de permitir a cada um, fosse o quê e quem, o direito de clamar por algo que lhe pareça justo. A novidade estaria na maneira pouco usual de se fazer politica, pelo menos em sua relação com o poder, não mais concentrado na soberania dos países e seus estados, nem no líder e sua massa alienada , mas na assunção de “potencia” e autonomia de cada um em sua chance de inventar novas maneiras de dar sentido ao mundo, de transformar o utópico em criação ou detonar a paralisia dos cenários do cotidiano. Sem dúvida existem os que olham com descaso algumas das recentes manifestações de ocupação do espaço público, classificando-as como desprovidas de ideologia ou fadadas ao vazio já que compartilhadas (em sua extensão e abrangência) apenas pelas pontas dos dedos dos que clicam frenética e indiscriminadamente nas redes sociais. Não importa. Como bem lembrou, em artigo recente na Folha de São Paulo, a filósofa e professora da USP Olgária Matos, o movimento que paralisou a França em 1968 e disparou no ocidente um número sem fim de mudanças radicais em seus valores, teve seu início com estudantes que reivindicavam o direito de receber a visita de suas colegas e namoradas em seus quartos de estudantes. Minha amiga já conseguiu arrebanhar alguns jovens “doutores” que ali residem e que queimam suas pestanas escrevendo livros sobre a sustentabilidade futura do planeta. Pode ser um começo.

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