quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

E o Oscar “poderia” ir para...

o filme iraniano “A Separação”, um dos grandes favoritos ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro de 2012. Filmes iranianos não são tão comuns, marcam sua presença apenas em festivais e mostras internacionais e em geral atraem um público restrito, formado por críticos e aficionados. No Brasil chegam a serem alvos de comentários irônicos ou piadas, na boca dos que inadvertidamente acompanham alguns mais intelectualizados ao cinema. Geralmente produzidos com poucos recursos, são considerados arte de resistência ao mostrar ao mundo (sempre driblando a censura de seu país) um pouco de sua cultura e seus anseios de liberdade de expressão. Mas o jovem diretor Asghar Farhadi , 39 anos, conseguiu um feito sem igual, conquistando não só o premio de melhor filme (Urso de Ouro/2011) na Alemanha - além do Globo de Ouro/USA de melhor filme estrangeiro e sua indicação para o Oscar deste ano- mas a quase unanimidade do público que o assistiu e que não se cansa de reverenciar a força de sua bem sucedida trama. O título já anuncia que o tema será um drama familiar: os trâmites difíceis da separação de um casal que possui uma filha pré-adolescente. Com este disparador, todos, do ocidente ao oriente sentem-se à vontade para participar dos detalhes da vida íntima da família. Uma câmera ágil e à maneira de um reality show, o diretor (que também é o roteirista) apresenta, através do cotidiano das pessoas envolvidas, um universo antropológico importante ao contemplar tanto a dimensão subjetiva e os conflitos específicos do espaço conjugal/familiar quanto as marcas do funcionamento da sociedade iraniana. Simin (Leila Hatami) e Nader (Peyman Moadi) estão diante de um juiz que precisará concordar com as razões do pedido de sua separação. Ela deseja sair do país por achar que o lugar não oferece o ambiente ideal para o crescimento de sua filha, mas ele não concorda, em parte por não poder/querer deixar o pai que está com Alzheimer. Quem fica com a filha? A disputa sobre o destino da filha é o mote para as tentativas de solucionar o embate, seja no desejo desta menina que prefere imaginar que a separação não irá se consumar, no anseio desta mãe, que aposta em um novo começo da família e da relação (fora daquele ambiente), ou nas certezas do pai, mais ligado às tradições e a manutenção “das coisas como elas estão ou são”. O árbitro (juiz) cuja função é fazê-los explicar-lhe as razões de seus conflitos mostra-se pouco ou nada aparelhado para entender as sutilezas destes impasses amorosos. Isto se repete quando o mesmo juiz deverá arbitrar sobre um acontecimento que envolverá a doméstica Razieh contratada por Nader para cuidar de seu pai durante as tardes, enquanto ele trabalha e a filha está na escola. Grávida, ela aceita relutante o emprego (não tem certeza se sua religião permite que ela troque e dê banho em homens), mas esconde o fato do marido, que além de violento está desempregado. Sai o espaço privado, entra o público e o conflito passa a girar em torno da separação abismal entre uma elite que tem acesso a educação e busca na modernidade soluções para os impasses sociopolíticos e religiosos e a classe mais pobre, fechada na tradição e na religião. Parte-se de forma insana em busca de uma verdade (impossível) para os fatos e dilemas através de depoimentos meticulosos de cada envolvido e das testemunhas de cada um. É como se a única via de solução de conflitos, pudesse ficar a cargo da fragilidade de um judiciário (representado ali pelo mesmo homem) que deverá julgar a partir de certas crenças e códigos, qualquer espécie de "litígio", o que deflagra o mapa da precariedade do país para lidar com as contradições morais, religiosas e sociais. O diretor encontra uma forma inteligente e feliz de tecer sua crítica ao caos civilizatório provocado por qualquer estado autoritário (teocrático ou não). Ao mesmo tempo, revela sua aposta na maior flexibilidade das mulheres iranianas, seja na coragem de Simin (a mãe), que não hesita em sonhar com novos horizontes, seja na figura da filha (Termeh), convocada pelo pai e pela mãe a escolher entre as raízes e as tradições ou a um futuro que poderá lhe ser diferente. Pura arte!

Para conferir: A Separação (Jodaeiye Nader az Simin) - Irã/2010     Direção: Asghar Farhadi
Com: Hatami, Peyman Moadi e Sarina Farhadi

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