quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Posso chorar?

Era possível que seu rosto estampasse a sensação de bem estar que lhe invadia. Naquele momento deveria fazer parte de uma ínfima porcentagem de pessoas que estariam ali, naquele dia, hora, minuto, tendo a chance de passar por aquela experiência. Seus olhos bem que tentaram alcançar algum ser humano. Não havia ninguém, ao menos até onde sua visão lhe guiava. Que privilégio. Tentou convencer sua memória a jamais se “esquecer” daquele quadro. Mas um friozinho desceu e subiu por sua coluna. Ai, esta incômoda sensação que chamamos de medo e que nos invade sem ser chamada. Percebeu que se armava uma guerra em seu interior. De um lado, um forte anseio de prolongar até o impossível aqueles momentos - que mais pareciam oníricos - em que a conjunção de tantos e belos fatores da natureza pareciam encher a alma (ao nível máximo) daquilo que pensamos ser a felicidade. Sentada ali, à beira daquela falésia, cuja altitude deveria ser matematicamente perfeita para lhe proporcionar o conforto de uma visão macroscópica do “universo”, era possível entrar em contato com o “verdadeiro” horizonte: acima o céu azul anil, impecável, juntando-se tal e qual um tom sobre tom ao verde claro e límpido do mar. E que mar! Belo e misterioso, a lhe seduzir insidiosamente com suas águas a ir e vir, às vezes provocantes outras raivosas, até se aquietar nas tranquilas, quando finalmente parava de se exibir e se entregava, deixando-se apreciar, e até ser desejado. Neste tom, o vento ameno da brisa acariciava seu rosto e ela podia sentir-se livre e capaz de amar a si, ao mundo, a vida. Era o medo, um medo difuso e corrosivo que conseguia turvar as águas marinhas antes límpidas. Da sensação de dona do mundo direto a de grão ínfimo e insignificante. Como era possível? Sentia-se tomada por uma vulnerabilidade inaceitável e nada, nada mesmo parecia ser capaz de aliviar seu corpo e sua alma daquela passividade indesejável. Quase se deixando tomar pela tristeza, resolveu enfrenta-lo. Medo de que? A voz ficou presa, segundos antes que seu grito ecoasse infinito abaixo. No fundo sabia que era um conjunto ou uma soma de medos. Um horror por imaginar-se incapaz de “viver a vida que tem que ser vivida”, uma apreensão diante do futuro incerto, talvez sem a constatação de ser amada como esperava ou de amar como deveria, um pânico diante do imprevisível dos perigos e dificuldades e até uma certa vergonha por este “não saber” o que fazer, por perceber-se tão frágil. Poderia ficar ali a aumentar a lista, mas isso começava a lhe dar um gosto de ressaca moral. Lembrou-se de Verinha, que costumava usar esta expressão, com seu jeito cômico de relatar (sem jamais parar de falar) suas peripécias quase sempre desastradas. Entre ela e Verinha havia esta diferença que fazia a “diferença”. Verinha não tinha dentro dela este “modelo” de si perfeito, sempre inalcançável, que lhe cobrasse tiranicamente (e sem piedade) suas falhas. Conseguia rir de si mesma ou chorar quando era assaltada pelas decepções e tristezas que a vida lhe impunha. Tampouco parecia temer (ao menos não tanto quanto ela) se apresentar aos outros com suas feridas e perdas, assim como recompor-se para embarcar no próximo trem que ali passasse. Aquietou-se. Tinha que ser grata à sua memória por trazer-lhe a tona a lembrança desta amiga querida. Não conseguia evitar um esgar risonho ao evocar aquela figurinha amada, tão presente em sua vida sempre que o chão ameaçava lhe faltar. Suspirou. Voltou a sentir um ventinho leve e agradável em seu rosto. Olhou o horizonte e lágrimas (nem um pouco amargas) desceram silenciosas. Que privilegio!

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