segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Guerra e Paz

Difícil era entrar naquele saguão e não se impactar com o tamanho dos painéis, dispostos um contra o outro. A cada vez um número limitado de pessoas era liberado, muitas famílias, uns tantos idosos, poucos jovens, afinal estávamos em pleno feriado de carnaval. Até ali a escolha do programa se mostrava acertada. O céu de São Paulo, em geral anuviado, ostentava seu melhor azul, graças ao sol que naquela manhã brilhava majestoso. A cidade vazia permitia que o trânsito dos carros passasse despercebido, dando um toque de leveza às suas ruas sempre nervosas e congestionadas. A visão do conjunto formado pelo Memorial da América Latina completava o quadro com suas linhas brancas desenhadas por Niemayer e cumpria sua função de arte que surpreende: ao entrar, o espaço interior ganhava uma dimensão inimaginável quando visto de fora. Celulares nas mãos, muitos se punham a fotografar, buscando dar um destino a emoção daquela visão. Era preciso gravar cada pedaço, não perder nem os detalhes nem o conjunto. Os painéis Guerra e Paz estão entre os principais trabalhos de Portinari, encomendados a ele em 1952 pelo governo brasileiro como um presente para a sede da ONU em Nova York. Medindo aproximadamente 14 x 10 m cada um, ficam expostos no hall de entrada da Assembleia Geral da ONU, mas estão temporariamente no Brasil (e devem seguir para alguns destinos pelo mundo) enquanto vige uma reforma naquela instituição. Ao vê-los é impossível não identificar o traço característico da obra deste grande pintor natural de Brodósqui, marcada por tipos físicos bem nacionais que interpretam suas misérias, lutas, alegrias e esperanças. Ao meu lado um menino de uns oito anos olha atentamente ora um, ora o outro painel. Seu pai havia lhe imposto uma tarefa e era impossível não ser contagiada por seu entusiasmo. Após alguns minutos, satisfeito com sua pesquisa ele anuncia seu veredito final: “É este o da paz!” Seu olhar antes inquieto, parece se beneficiar desta paz. Sigo-o e bem ali, no meio do painel, uma boa quantidade de crianças em diferentes situações de brincadeiras. Os tons “da paz” são mais claros, dourados, como se ali a luz fosse permanente, e o clima sereno. Embora a ideia dos painéis divida a paz de um lado e a guerra de outro, para muitos pensadores elas não são contraditórias, e sim processos inseparáveis, como se fossem representantes tanto da condição humana quanto de seu processo civilizatório, muito embora  mudem com os tempos, não apenas em suas formas, mas também em seus sentidos. Assim, uma reflexão sobre a economia da violência no século XXI, deveria levar em conta não só as novas formas de conflitos que surgem no panorama mundial, mas as maneiras inéditas de suas soluções. Parece-nos longe a imagem de um mundo de indivíduos iguais e felizes, ou uma comunidade internacional integrada por Estados pacíficos e soberanos. Nem mesmo a premissa compartilhada por muitos de que o curso da história deva seguir a conquista crescente de liberdade ou a de que a rota de cada indivíduo precisa incluir a construção de sua ética, é unanimemente consentida. Mas quando a palavra é a esperança, nada mais singelo e legítimo do que contemplar uma criança e seguir com ela em sua aposta de um bom futuro. Sempre e quando isso é (for) possível.



Para conferir: Guerra e Paz
Quando: de 7 de fevereiro a 21 de abril (de terça a domingo, das 9h às 18h)
Onde: Memorial da América Latina - Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664  Barra Funda São Paulo
Quanto: gratuito


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