terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

São Valentim

Diz a lenda (e a historia) que o imperador romano Claudio II teria resolvido proibir os casamentos em seu reino visando a formação de um exército maior e mais poderoso. Ele acreditava que sem famílias, os jovens se alistariam sem titubear e com maior entusiasmo. Não contava, porém com a dissidência de um jovem bispo que secretamente continuava a celebrar os casamentos. Descoberto, Valentim é preso passando a receber milhares de flores e bilhetes dos jovens, que viam nele um defensor do amor. Mas a historia não acaba aí. Enquanto aguardava o cumprimento de sua sentença, Valentim recebe a visita da filha cega do carcereiro por quem se apaixona perdidamente e para quem deixa uma mensagem de adeus. O dia de sua execução, 14 de fevereiro, passa a ser rememorado por aqueles que quisessem dedicar alguma mensagem aos seus amores. A partir do século XVII países como a Inglaterra, a França e os USA adotam a data para celebrar com mais pompa e circunstancia (e com pouco mais liberdade), o dia dos namorados, prática que nas últimas décadas se expandiu pelo mundo afora. Com poucas exceções - no Brasil esta data foi fixada às vésperas do dia de Santo Antônio, o santo português casamenteiro que em suas pregações religiosas, valorizava a importância da união amorosa -  namorados de todas as idades e do mundo inteiro são convocados a celebrarem com trocas de presentes e cartões e engrossam as transações comerciais com surpresas românticas, mantendo a boa fama da data.  Até o site de buscas Google dedicou um logotipo animado ao Dia de São Valentim aos países que comemoram o Dia dos Namorados neste 14 de fevereiro. No  vídeo que dura cerca de um minuto, com direito a trilha sonora interpretada por Tony Bennett,  um garoto encena várias tentativas para conquistar uma menina. No final a tela se enche de corações vermelhos. Uma cena que não deverá ser compartilhada pela cidade de Aceh, na Indonésia. Ao menos não publicamente. Em nota divulgada pela internet, fica-se sabendo que a lei islâmica (vigente ali há uma década) proíbe que os casais celebrem a data. Acostumados com a truculência dos tribunais islâmicos que fiscalizam e punem as infrações morais com castigos físicos, o povo dali se submete às revistas feitas nos locais mais isolados que farejam os casais que infringem as rígidas regras. Em Aceh o dia dos namorados é associado a expressões de amor e sexo que ali são proibidas entre pessoas solteiras. A nota ainda divulga que, se quisessem desfrutar o clima romântico  tradicional da data, os casais de Aceh teriam que fazê-lo muito bem escondidos em seus lares. A história do dia dos namorados, embora possa ser avaliada majoritariamente por seu apelo consumista, acompanha a história de nossa relação com o amor e o sexo. Vimos como no início da Idade Média, Valentim buscava incentivar as uniões amorosas entre os jovens, apesar da tirânica decisão do imperador em silenciar seus anseios de acasalamento. Em sua visão de chefe de um império, tais práticas desviariam os homens de seus deveres de guerreiros prontos a lutar por seu reino. Já a Igreja católica se preocupava em dar um destino menos promíscuo ao sexo, ao enquadrá-lo nos limites do sagrado casamento. A sexualidade humana se mantém como instituidora do cultural, por ultrapassar o campo da biologia e falhar repetidamente em se conformar as normas  e restrições que a regulam. É justamente esta falha ou erro que abre espaço para transformações tanto individuais quanto sociais. Foram necessários muitos séculos para que a sexualidade e o amor angariassem lugares dignos e mais livres entre as escolhas humanas. Ainda que cada cultura permita a realização de certas condutas e interdite outras, sabemos que em nossa aldeia global não é mais possível impedir que as culturas se relacionem minimamente através de trocas internáuticas de informações, imagens, conhecimento e costumes do mundo todo. As recentes e audaciosas ações dos jovens de alguns países árabes transgrediram proibições seculares ao garantirem a circulação das informações. Cumprem, quem sabe, um ciclo ao produzir turbulência em verdades estabelecidas. São mudanças que causam temores por acenarem com o novo, mas trazem a esperança  e a promessa de um mundo melhor, quando apostam mais na capacidade de cada indivíduo em inventar novas e melhore maneiras de se viver.

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