sábado, 21 de abril de 2012

Mal / Bem estar


A TV estava ligada na nova novela da Globo, “Avenida Brasil”. Tinha começado a assisti-la na expectativa de que sua trama lhe despertasse algum interesse, pudesse acalmá-la ou surtir algum efeito renovador, quem sabe ao menos afastá-la daquele turbilhão de pensamentos que puxavam mais um tanto de sentimentos e que irremediavelmente a jogavam no mesmo buraco de sempre. Suspiro.  Simpatizara-se com o nome escolhido pelo autor, “Avenida Brasil”, que sabe-se lá por qual  associação lhe remetera aos personagens do Veríssimo da “Família Brasil”  no Estadão, ao invés da controvertida Avenida Brasil carioca. A coluna do Veríssimo sempre funcionara como um oásis naquele monte de letras sem fim do jornal que seus pais assinavam desde sempre, além é claro, d’O Estadinho, único que exibia cores e os personagens da Turma da Mônica. As tirinhas da “Família Brasil” chamavam a atenção por sua simplicidade, de traços e conteúdo, embora sua ironia fosse além do que ela podia entender então. Foi a partir de sua adolescência que pode legitimar esta admiração e reconhecer a inspiração com que o autor descrevia as situações engraçadas e constrangedoras do cotidiano de todos. Um humor fino, beirando o absurdo, percorria as observações do pai, sempre às voltas com o seu salário curto, da mãe, dona de casa, da filha, eternamente apaixonada, do filho adolescente (com tudo o que este universo pode conter de situações surpreendentes) e do neto. Balançou a cabeça, um gesto que denunciava aquela conversa íntima com suas lembranças, e tentou voltar ao fio que começara a tecer. Ah sim, a nova novela das nove, que em pouco tempo desenhava personagens tão difíceis de simpatizar, ocupados em organizar planos maquiavélicos, estratégias de vingança, vestidos sem nenhum pudor com roupas de heróis sem caráter. Aquele cenário não lhe trazia a paz esperada nem lhe permitia a curtição de um entretenimento, ao contrário, cutucava, causava um certo incômodo e levava-a a divagar. Se por um lado a força e a urgência de uma boa audiência seriam fatores decisivos para as ideias e roteiros das novelas, os enredos certamente precisavam despertar a atenção dos espectadores, surpreender ou tocar fundo na alma da maioria. Mesmo não se considerando uma seguidora assídua, sabia serem as novelas um produto nada desprezível da cultura brasileira, que abrangiam uma enorme fatia da população do país. Era ao mesmo tempo um retrato social, um veículo de produção de certos ideais e promotor de debates sobre valores caducados e outros ainda em ebulição. E para acompanhar o volátil tempo atual, suas histórias (pelo menos as de peso) há muito haviam deixado para trás enredos assépticos, em que o bom mocismo imperava, os protagonistas eram todos idôneos e o amor sacralizado. Isso não combinaria mais com este mundo fluido, com valores sempre em cheque e  pessoas em permanente dívida com o futuro ou nostálgicas de um passado imaginado mais calmo. Ela mesma só estava ali pensando sobre todas estas coisas, porque havia quebrado a perna em um tombo ridículo, e restava-lhe zapear a TV dia e noite em busca de um programa ansiolítico ou ler na cama quando a insônia vinha lhe fazer companhia. Certo, duas impossibilidades em tempos “normais”. Voltou a parear a “Família Brasil”, um tanto e quanto ingênua em suas tiradas irônicas sobre as mazelas do dia a dia de uma família classe média e a “Avenida Brasil” com seus personagens ressentidos, vingativos e prontos a puxar o tapete de seus adversários. Acabara de chegar de suas sessões diárias de fisioterapia, um local agradável, que reunia (ao acaso?) profissionais delicados e alegres que, sem notar, criavam uma atmosfera afetuosa que contagiava a todos ali presentes. Um ambiente que “impunha” a troca de gentilezas. Pensar que esta paz era possível, que estava logo ali, ao seu alcance, lhe trouxe a PAZ que buscava. Desligou a TV, apagou a luz e adormeceu.

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