sábado, 21 de abril de 2012

Paradoxos


O que você faria se fosse assaltado à mão armada e os ladrões levassem, além de cartões de créditos, um bauzinho de madeira com uma quantia razoável em dinheiro e duas passagens para a Tanzânia, ganho dias antes em sua festa de bodas de prata, como um presente rateado por amigos e parentes? Este é o mote para as reflexões que se seguirão entre os personagens do filme “As neves de Killimanjaro”, do diretor francês (da Marselha), Robert Guédiguian. O valor de sua temática, no entanto transcende as fronteiras dos países, ao colocar em foco um debate importante sobre certas convicções ideológicas de direita e esquerda, que sempre escorrem para o certo e o errado, o bem e o mal. Se há uma lógica em curso nos dias atuais é a dos paradoxos, que nos convida a não fechar e sim a admitir vários matizes sobre um assunto, e exige que repensemos tudo por nossa conta e risco (embora fundamentados, claro). E para crer ou apostar na possibilidade de se seguir buscando mundos e homens melhores, talvez  não seja mais tão importante se alinhar a alguma ideologia de esquerda prêt-à-porter. O filme apresenta quase todos os ingredientes deste tipo de questionamento. Michel, participante ativo da efervescência político-cultural dos anos sessenta é o presidente do sindicato dos pescadores de Marselha que, diante da atual crise que abate a Europa, precisará dispensar vinte trabalhadores. Com o propósito de não cometer injustiças decide fazer um sorteio, sendo ele mesmo um dos sorteados, o que surpreende a todos, em particular ao seu companheiro de trabalho e amigo de infância, que ao contrário, o condena por esta escolha, ressaltando que sua posição na escala de poderes teria lhe permitido tal concessão. Assim se enuncia que seremos expectadores dos diferentes dilemas que assaltarão aos personagens ao precisarem fazer uma escolha ética. A título de reflexão, embora moral e ética possam ser tomadas como um conjunto expressam conceitos diferentes. A moral seria o conjunto de valores e normas que elegemos para nortear nossas vidas, que usamos para justificar, dirigir e dar sentido a ela e que em geral nos ajuda a discriminar o que aceitamos ou não como condutas a serem seguidas. Mas ao ter que colocar em prática estes “nossos” valores, estamos no exercício da ética, o que quer dizer enfrentar dúvidas e acertos com nossas próprias balizas. À medida que as questões éticas acompanham as transformações sociais, carregam mais e mais desafios, lembrando que em uma democracia o comportamento ético não se impõe: é uma adesão livre ao que se acredita ser o melhor a fazer e inclui as tensões impostas pelo poder, pelas leis, pela vaidade, pela violência (nossa e dos outros). A aposentadoria “forçada” de Michel lhe dará tempo para pensar sobre suas próprias convicções, inclusive aquelas que lhe pareciam tão límpidas e certas como o engajamento em uma cultura da liberdade, da igualdade e da solidariedade. Mas mesmo descendo aos infernos da dúvida, da raiva pelas injustiças sofridas, de sua própria imposição a uma certa conduta humanista, Michel mantém seu caule intacto, fornecendo pistas de um modelo humano possível, corajoso em sua abertura às contradições. Um contraponto ao personagem principal do filme "Um homem bom", o pacato e alienado Halder, professor de literatura na Alemanha que começa a ser invadida (em todos os poros) pelo nazismo, e que por medo, por falta de valores mais precisos sobre si, sobre o mundo e as pessoas, se deixa capturar pelas ofertas sedutoras de prestigio dos poderosos que gravitam em torno do fürher. Inverte e contraria suas próprias linhas de pensamento e, perdido em suas concessões, não consegue sequer ajudar seu (antes melhor) amigo judeu a escapar do cerco alemão. Como a nos lembrar de que muitas vezes é preciso coragem para não ficar indiferente ao que nos acontece. 

Para conferir:

Título: As neves do Kilimandjaro (Les Neiges du  Kilimandjaro)
França  2011                                                                                                                           
Diretor: Robert Guédiguian

Título: Um Homem Bom (Good)
Reino Unido / Alemanha/ 2008
Direção:
Vicente Amorim

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