sábado, 7 de abril de 2012

A raça brasileira

Em 31 de março último houve um evento realizado pelo Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae  cujo título era O Racismo e o Negro no Brasil, um tema para lá de atual já que os males de nosso século parecem gravitar em torno da violência da xenofobia (nossa aversão/medo irracional e excessivo diante do diferente/desconhecido), da intolerância étnico racial ou religiosa. Aberto ao público, gratuito e no formato de um sociodrama, pelo menos um terço dos que ali compareceram eram descendentes de negros, vindos de diferentes setores e instituições da sociedade. O intuito era promover um debate a partir de uma sensibilização de cada um sobre as expectativas de sua presença ali, suas crenças e a percepção de si e do outro dentro da questão da discriminação racial. Levados a buscar e cavoucar lembranças de cenas impactantes ou importantes sobre o preconceito, aos poucos todos (vítimas ou não) foram adentrando no clima desta violência humana. É difícil pensar o “racismo” como uma invenção humana. Podemos pertencer como origem à determinada etnia, mas isso não nos coloca, a priori, abaixo ou acima de outras. No entanto, nossa história humana se ocupou em criar esquemas classificatórios que pudessem justificar a dominação e o desprezo de uns por outros. No mundo atual, ainda que os critérios biológicos possam atestar que cada ser humano tem uma individualidade genômica absoluta que ao interagir com o ambiente  molda uma exclusiva e singular trajetória de vida, convivemos com um imaginário cultural que muitas vezes classifica estrategicamente os indivíduos pela cor da sua pele, sua aparência física, sua condição social/intelectual, sua religião, de forma equivocada e moralmente irrelevante. A questão da representação social do negro no Brasil - embora recentemente venha sendo mais discutida - é extremamente complexa. As cenas de humilhação (e, portanto de dor) ainda se repetem, às vezes de forma violenta, mas em grande parte de forma velada. Em meio ao sociodrama, no corpo a corpo das cenas de “brancos” versus as sofridas pelos “negros” era impossível não perceber nossa distancia deste universo atravessado por injustiças. Se o “nosso” negro sempre encontrou barreiras para a sua integração à sociedade, mesmo que imperceptivelmente para muitos, continuamos a reproduzir este preconceito e a desigualdade. Aqui e ali ouvimos os ecos da romântica ideia de uma democracia racial brasileira ou da falta de um racismo institucionalizado (como o dos USA ou África do Sul), o que contribui para manter o mito de um paraíso racial, onde teria imperado um modelo escravocrata mais brando. Diferente sim, com certeza. Diante deste (mínimo) contato mais denso com sua “história” somos levados a constatar que para a maior parte dos descendentes negros pertencentes à geração dos pioneiros que lutam por um espaço novo em nossa cultura, a dor e o ressentimento (às vezes a raiva) são companheiros permanentes. É a geração dos jovens que ameniza essa tristeza. São eles que começam a poder se orgulhar de sua história, a buscar um reconhecimento de sua origem étnico-racial, a reconstruir sua identidade. São eles que apostam na transformação das representações sociais e se articulam para constituir ações, ocupar territórios interditados, expandir sua cultura. A contar e recontar sua própria história para curar as feridas e sair da invisibilidade.

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