Ainda que alguns críticos/intelectuais (poucos,
ainda bem) torçam o nariz para a “festa” literária que acontece anualmente em
Paraty, seria muito proveitoso perguntar por que ela continua sendo um evento
disputado após 10 anos de existência. E nesta toada, analisar seu sucesso não
só pelo prisma do espetáculo ou mesmo do lugar que a literatura “ainda” ocupa
no mundo atual, mas também pelo surpreendente número de leitores brasileiros –
em um país quase sem tradição literária - que continuam a reverencia-la. E o
que buscam estes “leitores”? Não é fácil responder a esta questão quando se acompanha
os comentários espalhados pela mídia, tanto de “turistas” que ali comparecem ou
dos inúmeros jornalistas que cobrem o evento. Mas a própria diversidade dos
enfoques já anuncia a consagração deste que é um dos maiores e melhores acervos
de nossa história humana: as narrativas que cumprem essa função integradora do
corpo social ao acompanhar os desafios (internos e externos) de cada época. E,
se a iniciativa de se fazer uma feira/festa literária tem seus interesses
capitalistas, com editoras e autores sonhando em aumentar suas cifras, a
proposta de tornar acessível ao público (em geral) um pouco mais do produto dos
que dedicam parte de suas vidas a escrever sobre algo que interessa a muitas
pessoas do mundo todo, não deixa de ter um efeito midiático interessante. Ao
lado da tietagem que normalmente caracteriza algumas relações entre leitores e
autores, há o fato inusitado de se forçar um escritor a “falar” sobre seu
processo criativo, as escolhas de seus temas, a relação de suas narrativas com
sua própria vida, enfim, faze-lo refletir sobre o lugar que a escrita ocupa em
sua vida e como ele percebe/analisa o interesse de seus temas para o público. É
neste confronto que se percebe a variedade das análises - sempre particulares -
que acabam compondo um leque imenso de possibilidades de narrar nossa história
coletiva. Pode estar a serviço de uma ampliação do contato consigo próprio, da
preservação da memória ou o contrário, da tentativa de confundi-la; pode falar
da própria literatura, das cidades, das injustiças sociais; pode dizer o que
ainda não foi dito ou pode simplesmente guardar um anseio de ser lido/reconhecido
por muitos. Os verbos também podem deslizar para o entreter, perpetuar, transmitir,
refletir, e assim vai. E para isso vale falar sobre as entranhas humanas , seja
para apaziguar ou impulsionar seus fantasmas. Sobre os fracassos, a solidão, o
desamparo, os amores, os lugares e as pessoas que lhe são importantes; sobre os
aspectos políticos e sociais do mundo, a violência, as injustiças ou a vida banal
nas cidades. Como vimos não há limites. A leitura de uma boa obra pode ser uma
experiência transformadora para alguns leitores, mas é basicamente uma experiência “humana” em que cada um se
reconhece e dialoga com seu semelhante independente das diferenças étnicas
culturais ou das distancias geográficas entre quem escreve e quem lê. Se uma
análise crítica deve tentar compreender mais do que
conjecturar ou agourar, podemos deixar registrado com certa satisfação que a Flip tem
propiciado um bom e inusitado debate de ideias entre escritores de diferentes
culturas e idades além de dar visibilidade para a literatura. E se ela, a literatura,
estrela máxima do evento, consegue se manter sendo a memória cultural de uma
era, se em última instancia é isso que se constrói e conserva quando se
escreve, é bem capaz que os livros continuem a ser escritos e lidos. Oxalá.
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