quinta-feira, 19 de julho de 2012

Casa de Bia


Os leitores que acompanham minha coluna já sabem que todas as vezes que viajo ao Rio de Janeiro acabo encontrando maneiras de registrar minha paixão por aquele pedaço do mundo. Confesso que minha empolgação tem início desde que surge, no horizonte, um motivo para a visita, o que significa comprar passagens, escrever para os amigos, marcar conversas e matar as saudades de “todos”, pessoas e lugares. A exuberância da geografia em torno da baía de Guanabara e adjacências já se oferece plena com a aterrisagem do avião no aeroporto Santos Dumont e se mantém surpreendente aqui e ali dentro do taxi, mesmo em dias nublados e frios, caso deste último final de semana. Se não me canso de admirar tanta beleza estética, também me contagio com o “carioquês” , um estilo de vida, de relação com a cidade e com o povo que me parece sui generis. Premiada, pela primeira vez fiquei hospedada no bairro de Santa Tereza, em casa de uma amiga querida. Bia, sua casa, marido, filhos, genro, noras, cachorros, compõem e expressam bem uma parte importante deste estilo carioca de ser, que não apenas ama sua cidade, conhece a fundo sua história e sua cultura, mas vive profundamente engajado com seus problemas e soluções. O que é isso? Talvez uma espécie de ocupação responsável e amorosa da cidade, de utilização de seus espaços, aproveitando o que ela oferece de bom e mobilizando-se contra os maus. É incrível como uma apropriação da cidade ou do bairro em que se mora pode fazer diferença na maneira como as pessoas convivem umas com as outras, tornando-as ao mesmo tempo críticas e abertas ao diferente. Nossas andanças matinais pelo bairro foram verdadeiras aulas da história da ocupação de Santa Teresa, com paradas obrigatórias para as vistas que o alto do morro oferece da Baía de Guanabara e para os casarões e palacetes que conservam uma parte do Rio Antigo - ocupada pelos que aqui aportaram a partir da chegada da corte de Portugal e escolheram o morro para viver porque a vista era linda, a água boa ou o clima mais ameno. Também escritores e artistas desde sempre se sentiram atraídos, seduzidos por seu charme. Onde hoje funciona o Parque das Ruínas, por exemplo, foi a casa da mecenas Laurinda Santos Lobo que reunia em seus saraus os artistas da época. E se o glamour deu lugar à desolação quando as favelas passaram a dominar o entorno, Santa nunca saiu de cena, sendo o alvo preferido, nos anos setenta, dos artistas que chegavam da Bahia, São Paulo ou Minas e viam ali, juntos, charme e vida barata. Hoje seu visual mantém certa mistura entre o antigo reformado/novo e o descuidado, suas poucas ruas “largas” não tem lugar para estacionar carros, em suas vielas passeiam moradores que se cumprimentam e muitos turistas que batem pernas, uns com mapas na mão, outros a se perder pelas vielas deixando-se surpreender pelas galerias e ateliers de artes, pelas lojas coloridas, pelos restaurantes de comida natural, nordestina, mineira, carioca. A noite são os jovens que invadem os bares (um pouco mais baratos que na cidade) quase todos exibindo música ao vivo de boa qualidade. Ao lado de sua recém Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o bairro possui a AMASP, uma antiga e atuante associação de moradores que no momento, entre outras reivindicações, briga para ter de volta os famosos bondinhos, desde que no ano passado um deles descarrilou, deixando cinco mortos, mais de 50 feridos e expondo o descaso dos governos com sua manutenção. Muitos dos moradores exibem a foto do bondinho em suas janelas, fazendo coro com o movimento e tornando público seu desejo pela volta do funcionamento original de suas linhas que serviam prioritariamente a comunidade a preços módicos, ao invés do plano atual de transforma-los em turísticos. Mesmo os que nunca foram a Santa Teresa conhecem estes charmosos veículos que ali circulam desde o século passado e contribuíram para ampliar o charme especial e romântico do bairro, seguindo a rota do tempo no sobe-e-desce de suas ladeiras. Na volta de nossos passeios, já na mesa que dá para a horta e para as plantas de Bia, tomando um suco verde caseiro e jogando conversa “dentro” pensava como era inevitável que minhas lembranças se sentissem em casa com aquele jeito “interiorano” de viver em que as pessoas se conhecem, sabem os nomes, os endereços, a história de cada um. Alguém mexeu no portão de Bia: era o feirante que vinha entregar as frutas, verduras e legumes que ela havia pedido de manhãzinha.

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