Na semana passada uma amiga muito querida com quem
usualmente troco ideias sobre assuntos os mais variados, apostava que eu havia
escrito sobre a renúncia do Papa Bento XVI. Fiquei alguns minutos em silencio,
me questionando sobre as razões pelas quais isso não ocorrera. Eu havia
arquivado em meu computador vários textos interessantes, li alguns deles,
assisti a alguns programas que debatiam as possíveis causas deste ato
inesperado, que como li em algum lugar, “causou um grande assombro pela
novidade inaudita”, mas faltava-me motivação e por decorrência, inspiração.
Domingo último, ao comparecer a uma missa de sétimo dia, fui surpreendida por minha
escuta atenta aos textos falados pelo padre e pelos fiéis, pela leitura do
evangelho, pela invocação do sacerdote pedindo a todos que se engajassem na
campanha da fraternidade ou não se esquecessem da quaresma e seu significado de
reflexão espiritual focado na oração, na penitência e na caridade. Não pude
deixar de pensar que a igreja católica tem um numero significativo de
seguidores no mundo todo (mais de um bilhão de pessoas) e que os papas
católicos (que ainda mantém uma autoridade soberana) sempre ocuparam um lugar
de respeito, tanto para o mundo das religiões quanto para o mundo laico. E se a
modernidade nascida com o Iluminismo encorajou o homem a usar sua liberdade
para conquistar sua autonomia e construir suas próprias leis ao invés de se
submeter às leis de Deus, a Igreja católica sobrevive como referencia moral e
suas “mensagens” continuam a ganhar repercussão e debates em diferentes níveis
da sociedade. Quase no final da missa, um membro da comunidade daquela igreja
pediu a atenção para alguns recados. Depois de elencar informes sobre datas e
horários de eventos durante a quaresma, pediu licença para ler o discurso
proferido pelo papa na ocasião em que este anunciou sua renúncia. Finda a
leitura, convidou a todos a terem fé e a confiarem neste ato do sumo pontífice,
invocando sua condição de mensageiro da palavra de Deus. Em resumo, a renúncia
do papa seria também um desejo de Deus. Tal como um bom “líder”, ou um bom
apóstolo, aquele homem tentava levar um alento àquela comunidade, dissipando os
sentimentos de confusão e medo que imaginava povoar a mente da maioria dos
fiéis (assim como a dele). A grande maioria dos textos divulgados pela mídia que
debatiam o “assombroso” anúncio papal apresentava esta inquietude. Algum mal
físico importante abatera o papa? Um sinal de declínio da igreja católica?
Resultado de lutas políticas internas de poder? Fim do conservadorismo e anúncio
de uma igreja mais moderna que discuta temas como homossexualidade, aborto,
eutanásia? Preferi uma entrevista feita pelo caderno Aliás do Estadão deste ultimo
domingo com o filósofo e professor Paolo Flores D’Arcais da
Universidade de Roma La Sapienza, um intelectual de esquerda que em 2001
recebeu o ainda cardeal Joseph Ratzinger para um debate sobre fé e razão
promovido pela revista italiana MicroMega.
Na época ocupando lados opostos em um embate longo e fervoroso aberto ao
público, D’Arcais confessa para o repórter do Alias seu respeito ao “homem”
Ratzinger e ao ato deste como papa, classificando-o de um gesto de
"extraordinária honestidade intelectual". No seu entender, a renúncia
do papa não teria como motivo alguma debilidade física, mas quem sabe uma falta
de energia psicológica ("l’animo") para uma tarefa duríssima, de
limpeza
da corrupção que corre solta no topo da Cúria em meio às lutas fraticidas das
facções (sem contar as denuncias frequentes de casos de pedofilia sem
julgamento). Tarefas que se realizadas, o levariam irremediavelmente à ruptura
com alguns de seus mais próximos colaboradores. Ou seja, ao papa faltaria o
“gosto” pelo jogo político, este que é pura paixão para alguns, e que se faz necessário
quando se ocupa um lugar de chefia, mas principalmente de tanto poder. No
entanto, seguindo este raciocínio, a renúncia é o ato politico possível, e deve
exigir de seus “pares” um confronto com tais conflitos ao mesmo tempo em que desperta
a atenção do mundo sobre eles.
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