Em meados do mês passado, zapeando com o controle da
TV me deparei com um programa da apresentadora Marcia Peltier em que o
entrevistado era um jovem rapaz que discorria sobre a história das drogas no
mundo e no Brasil. Jornalista e editor da Revista Galileu, Tarso de Castro
vinha a público divulgar os dados de sua pesquisa sobre este tema, o que teria
resultado na publicação de seu livro “Almanaque das Drogas”, uma espécie de
catálogo que pretendia abranger aspectos históricos, econômicos, políticos e de
saúde deste universo. À pertinência do tema somava-se o fato de estarmos
vivendo em meio ao barulho provocado pela polêmica da internação compulsória de
usuários de crack que ganhou destaque na mídia, chamou a atenção da população e
dividiu as opiniões. Perguntava-me o que seria um “bom” debate de ideias para
um tema tão importante e complexo, que afeta em diferentes níveis a vida de
todos os cidadãos? Difícil resposta principalmente ao se levar em conta ser a Adição
um fenômeno que transcende o uso do que convencionamos chamar de drogas, caso do
álcool, maconha, cocaína, crack, ecstasy, etc. para citar aqueles que mais
facilmente elegemos como objetos “culpados”. Lembrando ainda serem estes “objetos”
utilizados pelos “viciados” de forma compulsiva e incontrolável, fato que se
constitui um enigma para a maioria e um drama para os familiares. A adição ou o
“vício”, porém, é uma forma de relação abusiva e compulsiva com os mais
variados objetos, e para além daqueles velhos conhecidos, pode-se estabelecer um
tipo similar de relação com a comida, o esporte, os exercícios físicos, o sexo,
a internet, o trabalho, as compras, o celular, o computador, etc. Ou seja, o
que está priorizado nesta relação é mais o “uso” que se faz do objeto do que o
objeto em si, já que o objeto eleito pelo “viciado” assume um poder quase
mágico sobre ele e adquire um lugar de promessa de paraíso perdido. Para quem está
de fora desta “relação de paixão”, no entanto, é fácil perceber a alteração que
a vida psíquica e física do adicto sofre, sua lenta escravização ao objeto de
seu vício e a perda total de sua liberdade de escolha ao perder sua capacidade
de decidir usar ou não aquela “droga”. Ela passa a ser necessária, de forma
absoluta. Quem está de fora, sente-se fora mesmo, excluído, perplexo, impotente
e incapaz de interromper aquele ciclo. Aqueles que convivem com “viciados”
(principalmente os dependentes químicos), incluídos aqui todos os que cuidam ou
que fazem parte de redes de atendimentos relatam de tempos em tempos seu desânimo
ao perceberem-se enredados neste circuito quase fechado. Quando se trata de
politicas de saúde pública as coisas parecem ficar mais confusas. As sociedades
em geral, a brasileira em particular, costuma tratar de forma leviana seus desvalidos,
muitas vezes vistos como “dejetos”, o que promove políticas mais focadas na
higienização do que no acolhimento. Não temos uma tradição de discussão ampla e
coletiva sobre questões como estas e, por isso, a grande maioria da população
espera que o Estado cumpra seu papel de solucionar o problema, de preferencia
adotando medidas fortes e “eficazes”. Do outro lado, não é raro que
especialistas e técnicos de diferentes orientações teóricas e clínicas, cujas
vidas estão comprometidas com o atendimento (em várias frentes) aos
drogaditos concordem ser estes cuidados
extremamente complexos. De saída, o “público” é heterogêneo o que acarreta
medidas diferentes para cada caso. Uma simples pergunta para apenas um dos
grupos de dependentes, por exemplo, pode nos revelar como o assunto exige
cuidados: os usuários de crack estão nas ruas porque são viciados ou se viciam
por serem moradores de rua? Não há respostas corretas ou únicas. Elas são
muitas e variadas, assim como as histórias que guardam as dores e o sofrimento
de cada um. O resgate da Historia pode aumentar nosso entendimento por revelar
que não existiu e nem existem sociedades humanas que não tenham criado formas
de escapes para aqueles de nós que não podem suportar a realidade. Da neurose à
loucura, passando pelas drogas, a mente humana não cessa de tentar evitar o
sofrimento através de variados métodos que anestesiam ou possibilitam a fuga da
realidade incômoda. Métodos muitas vezes “potentes” que visam conter nossas angústias,
principalmente quando elas ameaçam nossa sobrevivência física, mas
especialmente a psíquica.
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