terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Zona de desconforto


Em meados do mês passado, zapeando com o controle da TV me deparei com um programa da apresentadora Marcia Peltier em que o entrevistado era um jovem rapaz que discorria sobre a história das drogas no mundo e no Brasil. Jornalista e editor da Revista Galileu, Tarso de Castro vinha a público divulgar os dados de sua pesquisa sobre este tema, o que teria resultado na publicação de seu livro “Almanaque das Drogas”, uma espécie de catálogo que pretendia abranger aspectos históricos, econômicos, políticos e de saúde deste universo. À pertinência do tema somava-se o fato de estarmos vivendo em meio ao barulho provocado pela polêmica da internação compulsória de usuários de crack que ganhou destaque na mídia, chamou a atenção da população e dividiu as opiniões. Perguntava-me o que seria um “bom” debate de ideias para um tema tão importante e complexo, que afeta em diferentes níveis a vida de todos os cidadãos? Difícil resposta principalmente ao se levar em conta ser a Adição um fenômeno que transcende o uso do que convencionamos chamar de drogas, caso do álcool, maconha, cocaína, crack, ecstasy, etc. para citar aqueles que mais facilmente elegemos como objetos “culpados”. Lembrando ainda serem estes “objetos” utilizados pelos “viciados” de forma compulsiva e incontrolável, fato que se constitui um enigma para a maioria e um drama para os familiares. A adição ou o “vício”, porém, é uma forma de relação abusiva e compulsiva com os mais variados objetos, e para além daqueles velhos conhecidos, pode-se estabelecer um tipo similar de relação com a comida, o esporte, os exercícios físicos, o sexo, a internet, o trabalho, as compras, o celular, o computador, etc. Ou seja, o que está priorizado nesta relação é mais o “uso” que se faz do objeto do que o objeto em si, já que o objeto eleito pelo “viciado” assume um poder quase mágico sobre ele e adquire um lugar de promessa de paraíso perdido. Para quem está de fora desta “relação de paixão”, no entanto, é fácil perceber a alteração que a vida psíquica e física do adicto sofre, sua lenta escravização ao objeto de seu vício e a perda total de sua liberdade de escolha ao perder sua capacidade de decidir usar ou não aquela “droga”. Ela passa a ser necessária, de forma absoluta. Quem está de fora, sente-se fora mesmo, excluído, perplexo, impotente e incapaz de interromper aquele ciclo. Aqueles que convivem com “viciados” (principalmente os dependentes químicos), incluídos aqui todos os que cuidam ou que fazem parte de redes de atendimentos relatam de tempos em tempos seu desânimo ao perceberem-se enredados neste circuito quase fechado. Quando se trata de politicas de saúde pública as coisas parecem ficar mais confusas. As sociedades em geral, a brasileira em particular, costuma tratar de forma leviana seus desvalidos, muitas vezes vistos como “dejetos”, o que promove políticas mais focadas na higienização do que no acolhimento. Não temos uma tradição de discussão ampla e coletiva sobre questões como estas e, por isso, a grande maioria da população espera que o Estado cumpra seu papel de solucionar o problema, de preferencia adotando medidas fortes e “eficazes”. Do outro lado, não é raro que especialistas e técnicos de diferentes orientações teóricas e clínicas, cujas vidas estão comprometidas com o atendimento (em várias frentes) aos drogaditos  concordem ser estes cuidados extremamente complexos. De saída, o “público” é heterogêneo o que acarreta medidas diferentes para cada caso. Uma simples pergunta para apenas um dos grupos de dependentes, por exemplo, pode nos revelar como o assunto exige cuidados: os usuários de crack estão nas ruas porque são viciados ou se viciam por serem moradores de rua? Não há respostas corretas ou únicas. Elas são muitas e variadas, assim como as histórias que guardam as dores e o sofrimento de cada um. O resgate da Historia pode aumentar nosso entendimento por revelar que não existiu e nem existem sociedades humanas que não tenham criado formas de escapes para aqueles de nós que não podem suportar a realidade. Da neurose à loucura, passando pelas drogas, a mente humana não cessa de tentar evitar o sofrimento através de variados métodos que anestesiam ou possibilitam a fuga da realidade incômoda. Métodos muitas vezes “potentes” que visam conter nossas angústias, principalmente quando elas ameaçam nossa sobrevivência física, mas especialmente a psíquica.

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