quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Impacto social


Assistir ao filme “No” impõe a todos um sobrevoo sobre a história recente do Chile. O golpe militar que derrubou Salvador Allende em 1973 - presidente eleito neste país em1970 - é considerado o mais cruento da história da América Latina, deixando um saldo de três mil mortos e desaparecidos, além de milhares de presos políticos, exilados e torturados. Depois de 15 anos à frente de tal ditadura sangrenta, Augusto Pinochet foi pressionado pelos governos internacionais a submeter-se a um plebiscito popular que legitimasse seu desejo de mais oito anos no poder. Certo de que os plebiscitos feitos sob ditaduras costumavam ser favoráveis a quem detinha o poder, foi surpreendido pela vitória do “não”. É sobre esse fato verídico que o filme “No”, de Pablo Larraín discorre. O diretor conta que tinha 12 anos quando as emissoras de TV do Chile exibiram a vitória apertada (56% contra 44%) do referendo que rejeitou a permanência do governo militar no país, um acontecimento que marcou sua vida e a de seu país. A partir da leitura da peça  “O plebiscito”, do escritor chileno Antonio Skármeta, e de muitas pesquisas sobre o período, Larraín decidiu priorizar as campanhas publicitárias do Sim e do Não que tinham 15 minutos diários na televisão para convocar o povo a votar a seu favor. Na época, o jovem René Saavedra, filho de um exilado político que volta ao Chile, e talentoso publicitário em franca ascensão no país, é convidado a assumir a campanha do "não" e acaba criando uma peça inovadora para a época, que vendia a ideia de esperança e felicidade, ao invés de expor os terrores da era Pinochet. De forma astuta, a campanha derrota o ditador utilizando as mesmas ferramentas de sua propaganda política com fartas visões sobre um promissor futuro do país. Mas seria mesmo esta vitória apenas fruto de uma manobra publicitária bem feita? Ao assistir ao filme com amigos, finda a sessão, ainda que o final feliz produzisse uma sensação de redenção, no burburinho dos comentários, espectadores mais engajados confessavam certo estranhamento, uma desconfiança de que o publicitário, longe de comungar com alguma ideologia política, teria apenas “vencido” uma concorrida disputa com seu rival, no caso a turma que cuidava da campanha do “sim”. Instalada a polemica, surgiam as perguntas. Teria sido a peça publicitária decisiva para que o governo Pinochet ganhasse maior visibilidade negativa, nacional e internacionalmente, obrigando-o a deixar o governo dois anos depois? Qual teria sido seu diferencial? Que valor moral atribuir aos métodos utilizados na campanha, mais próximos ao marketing político (tão vigente na atualidade)? Ou ainda, porque deixar de fora o sofrimento legítimo dos que foram destituídos de seus direitos, dos que perderam seus familiares, dos que foram torturados? Como não usar o espaço dos 15 minutos para denunciar as barbaridades cometidas pelo governo compulsoriamente censuradas para o povo? Vale dizer que o filme sustenta um clima de suspense do inicio ao fim só por mostrar as tensões vividas pela equipe do “não” que, pisando em ovos em um governo sob censura, precisa fazer sua omelete parecer maravilhosa, apesar de quase sem ovos. Tarefa ardilosa que este publicitário vivido pelo ator mexicano Gael García Bernal tenta desempenhar, convencendo a turma do “não” a eleger programas otimistas, que pudessem despertar principalmente aos jovens, convocando-os a reconquistar a alegria de viver e a confiança no futuro ao divulgar seu slogan "Chile, a alegria está chegando”, fazendo-os acreditar que seu voto poderia mudar a situação politica do país. De meu lado, surpreendi-me positivamente pela escolha da “alegria”. Fiquei imaginando (talvez de forma romântica) que aquele “menino” já tinha em seu currículo as duras experiências dos que precisam viver exilados de seu país. Quem sabe em sua volta, já desenhasse a possibilidade de um novo país, por isso insistia em despertar nos jovens a paixão de viver uma nova época e uma nova cultura. Pode ser que quisesse transformar, pela via da publicidade - que como sabemos corre atrás dos desejos humanos- seu desejo de pertencimento a um novo país incitando um sentimento de humanidade comum a todos os chilenos, sem diferenças de idade, posição social, partidos políticos. Se o mundo não cessa de refazer ciclos em que alguns se instituem donos absolutos de uma verdade por algum período, há que haver os que rememoram a força do desejo de renovar em cada um, e da possibilidade de fazer historia com alguma ousadia. De forma sensível, o diretor farejou nos comerciais produzidos na época (ele não os reproduziu e sim utilizou os originais) algo de diferente sob o céu de brigadeiro. Vale a pena conferir este tônus de uma fina ironia, bom humor e alegria.

(No), de Pablo Larraín, Chile / França / EUA, 2012

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