sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Doses (necessárias) de imaginação


É possível que um dos melhores lugares do mundo para se fazer uma pesquisa sobre fé/crenças religiosas seja a Índia, país que convive com um surpreendente pluralismo religioso. O hinduísmo, por exemplo, é uma religião de muitos deuses e deusas, que em momentos especiais encarnaram o Ser Supremo e Absoluto para se tornarem acessíveis à humanidade. Além disso, há no país um grande número de muçulmanos, budistas, católicos, judeus, etc. Segundo o escritor  Yann Martel, foi durante uma viagem a este país tão instigante em seus contrastes que ele decidiu escrever seu livro, vencedor do Booker Prize de 2002, “As aventuras de Pi”. Antes de se tornar um filme que está em cartaz atualmente e agradando a muitos, a história sofreu uma denúncia de plágio, que de certa forma foi confirmada pelo autor, que teria lido uma resenha no NY Times sobre o livro do escritor gaúcho Moacir Scliar, “Max e os felinos”. Esclarecimentos feitos, passados dez anos, quem está na direção deste roteiro é o taiwanês Ang Lee, que já revelou sua extrema versatilidade, sensibilidade e ousadia em filmes tão díspares e importantes como “ O Segredo de Brokeback Mountain” , “O Tigre e o Dragão” e “Razão e Sensibilidade”. Neste filme o indiano Piscene (Pi) Patel  já adulto, professor bem sucedido e residente no Canadá, é procurado por um escritor que recebeu uma dica de um amigo em comum para que se inteirasse da “boa” história de sua vida. Mais precisamente sobre a grande aventura do jovem Pi, cuja família, dona de um zoológico em Pondicherry,  Índia, decide fechar o empreendimento e se mudar para o Canadá, local em que pretendiam vender os animais e reiniciar a vida. Durante a viagem, o cargueiro naufraga devido a uma terrível tempestade, fazendo de Pi o único sobrevivente, que no entanto precisará dividir o bote salva-vidas com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala chamado Richard Parker. Mas para que o escritor entenda sua história, Pi precisa narrá-la desde a sua infância, do significado de seu nome (uma piscina de Paris que teria encantado seu pai, grande apreciador da natação, e das lindas moças que ali desfilavam), de seu constrangimento na escola pelo apelido Pi que lembrava o ato de fazer xixi e era motivo de gozação permanente, e de sua curiosidade pelo sentido da vida e das relações entre as pessoas, que o fazia um pesquisador fervoroso das religiões, mesmo contra o gosto de seu pai ateu. Há muito mais fatos interessantes e ainda que o filme possa ser resumido à grandeza de sua produção, de seus efeitos especiais, sua tecnologia 3D, e a viagem fantástica de Pi, talvez seu maior valor resida na articulação que o protagonista faz de sua “aventura” com sua história pessoal, ao revelar suas digressões, suas dúvidas, suas superações, as (boas) certezas de seu pai, a doçura de sua mãe ao incentivar sua busca de sentidos para a vida, sua relação mais fraternal que rival com o irmão mais velho. Sendo o único sobrevivente do cargueiro japonês, porém, ao aportar no México, sua história não parece verossímil aos ouvidos dos que investigam as causas do naufrágio. Pi constrói, assim, uma outra versão em que ao invés de animais, ele teria feito este trajeto no bote com mais quatro pessoas, que não teriam conseguido sobreviver. E diante do olhar hesitante do escritor e interlocutor deixa a ele a escolha de qual história relatar. Qual lhe parecia ser a mais interessante? Aquela em que são acrescidos sentidos para que a tragédia que assolara sua vida pudesse ser amenizada ou a realidade nua e crua, sem consolo ou feitos heroicos? O semblante do escritor se modifica. Seus olhos brilham, quem sabe por serem os escritores aqueles que escrevem as histórias que embalam nossa imaginação, que funcionam como fonte e espaço de nossos sonhos.

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