quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Nossas majestades


Em conversas com amigas queridas, quase todas avós, o tema invariavelmente se volta para as surpresas, em geral deliciosas, que o(a)s pimpolho(a)s oferecem para suas vidas. Os olhos brilham, os peitos se enchem de orgulho, as palavras saem em tons amorosos e animados, sem constrangimentos e principalmente sem dúvidas de que eles mereçam toda esta reverência. Também é fácil constatar que qualquer barreira que preexista à chegada dos netinhos, derrete-se assim que estes passam a interagir e incluir em suas vidas suas avós, instaurando uma espécie de encantamento. Há pouco tempo uma amiga querida que havia visitado o Museu do Prado e se empolgado com o quadro “As Meninas” de Velásquez, - que tem como personagem central a infanta Margarida da Áustria - foi surpreendida com a neta que, ao contemplar a menina no quadro, imitou sua pose majestosa, reconhecendo-se ali: “Mas essa sou eu, vovó!” De certa forma ela captara que a majestade da criança no quadro, não estaria no fato de ela pertencer à realeza (como poderia ter sido na época em que o quadro foi pintado) e sim de ser uma criança, e merecer os olhares extasiados dos adultos à sua volta. Se em um primeiro momento o comentário da neta disparou risadas satisfeitas e um balançar de cabeças que confirmavam sua posição, dias depois minha amiga questionava-se sobre esta condição especial. O que o futuro reservava para estas crianças, tão intensamente amadas, tão investidas pelos adultos que a rodeiam? Como elas poderiam desenvolver ferramentas para administrar suas decepções, frustrações e perdas? Que destino nefasto estaria à espreita de tanta empáfia? Pusemo-nos a confabular sobre o assunto e sem que nos déssemos conta percebemos que nesta era de domínio absoluto senão dos infantes, mas da própria infância, em que nada mais nos resta a não ser depositar as expectativas de realizações de nossos desejos neles, quem não suporta perceber que eles possam viver suas dores e não “nosso desejo de felicidade completa", somos nós mesmos, os adultos- mães/ avós. Assim como amamos nossas crianças a ponto de sentir dor de amor, ficamos desolados, por vezes desorientados, quando elas sofrem as “dores” do viver, e não é raro que atribuamos essa pena às nossas falhas. Nossa geração não pode “desidealizar” a infância, e quem sabe caberia às gerações mais novas, dimensionar melhor este percurso. Uma nota na mídia digital desta semana incrementava nosso debate ao anunciar que a série "Girls"-  que estreia sua segunda temporada em canais pagos no Brasil - concorreria ao Globo de Ouro. Para Lena Dunham, de apenas 26 anos, criadora, produtora e protagonista, seria o fato da série mostrar a vida da geração americana que gira em torno dos 20, sem muitos retoques nem glamour, a chave de seu sucesso. Em entrevista, Lena conta que pertence à primeira geração globalizada e “internetizada”, que cursou faculdades usando Ritalina, mantém presença constante nas redes sociais, e convive em paz com a falta de privacidade. Na série, cada uma das “girls” representa um estilo – certinha, romântica, libertária, inteligente – como a cobrir modos diferentes de se haver com a vida, mas cujos feitos estão longe de seguir a cartilha da felicidade que os mais velhos esperariam delas. Ao contrário, todas escancaram a marca de uma geração de incertezas, bem menos eufórica e sambando para cumprir com tantas responsabilidades. Nosso imenso amor por nossas crianças, se deveria produzir um saber sobre o que é ser amado, ou mesmo sobre os limites deste amor, aposta muito mais em uma “reparação”, uma vida feliz, sem dores. O mal estar de minha amiga é perceber que cabe a nós adultos, em meio a este grande amor, oferecer a eles proteção, condições de sobrevivência / desenvolvimento e confiança suficiente para ousar sem lesar a si ou ao outro. E isso dá um frio e tanto na barriga, já que quase nunca conseguimos seguir uma “cartilha” tão equilibrada.

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