sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Excessos & confortos


Na Folha de São Paulo do dia 1º de janeiro de 2013 é possível ler uma resenha do livro "O Século do Conforto - Quando os parisienses descobriram o casual e criaram o lar moderno"- de Joan DeJean, editora Civilização, uma pesquisa sobre a invenção a partir da era moderna, de modos menos duros e mais confortáveis de viver, mais adequados às conversas e aos momentos de descanso, de diversão e principalmente de sedução. Entre os itens selecionados pela pesquisadora, está o sofá, que passa a permitir não só momentos de descanso e ócio, como uma maior proximidade/intimidade entre as pessoas, inclusive de diferentes sexos, o que facilitava a prática dos assédios amorosos, além das leituras ou das “fofocas”. Outro item mencionado seriam os banheiros que passavam a ter chuveiros com água corrente, acrescentando assim um plus de prazer a um ato inicialmente higiênico. Num jogo rápido, é como se pudéssemos conferir a escalada moderna em direção ao usufruto dos prazeres (mais mundanos?, mais eróticos? mais livres de protocolos?) algo que na atualidade nos parece de direito. Poucos contestariam o fato de ser hoje bastante “natural” para cada um a busca de satisfação, mesmo  nas desmesuras dos apetites ou na insaciabilidade dos desejos, incluindo aí a prática de uma certa antecipação (imaginária) do quanto poderemos nos lambuzar (de prazer) diante das milhares de possibilidades que criamos no mundo atual que contêm este tipo de promessa. Estão aí as propagandas criadas para que possamos degustar tal antecipação e que atestam o caráter ilimitado de nossas fantasias. Mas não deixa de ser interessante pensar que a pesquisa toma o “conforto” como ponto de partida para as várias invenções que hoje poderiam ser contabilizadas como a instituição progressiva do direito aos excessos, ou melhor, da assunção da falta de limites para o que podemos desejar. No entanto é inegável que a quebra sistemática de protocolos que continham regras específicas, mais rígidas e constrangedoras dos modos de se estar no mundo tenha como contraponto um novo “custo vida” para cada um. E ele nem sempre é muito transparente, ou simples. Sem muitas normas e referencias que nos orientem, cabe a cada um produzir os limites e fronteiras necessários não só ao convívio com os outros, mas conosco mesmos. Mais do que nunca somos “medidos” (até por nós mesmos, a famosa autoestima), mas agora muito mais pela competência com a qual conseguimos gerenciar nossos excessos e manter ao mesmo tempo nossos laços profissionais e amorosos, nosso corpo bem talhado, uma medida aceitável para nosso consumo de objetos, drogas, alimentos, isso tudo sem sucumbir a um “excessivo” sentimento de vazio ou de fracasso que nos conduza à depressão. Custos preciosos para tentarmos manter nosso “conforto”. Parece, portanto, que o “conforto” que no inicio da modernidade significava muito mais a produção de ferramentas e objetos que facilitassem ou tornassem mais prazerosa nossas vidas, deslocou-se para um conforto interno, psíquico, em que tentamos evitar a qualquer custo, um excesso de “mal estar”, que nos proteja de grandes deformações em nossa (auto) imagem, da solidão, do sentimento de desamparo, da falta de sentido de nossas vidas, da preocupação e aflição com o corpo ou com suas limitações (doença, envelhecimento, morte) para que possamos usufruir, sem culpa ou vergonha, dos “bons” excessos. Operação delicada, que no melhor dos casos produz nossos sintomas psíquicos, nossas tentativas de buscar um quantum de “conforto” ao preço de uma redução substancial do espectro ilimitado que uma vida pode oferecer.

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