Na Folha de São Paulo do dia 1º de janeiro de 2013 é
possível ler uma resenha do livro "O Século do Conforto - Quando os parisienses
descobriram o casual e criaram o lar moderno"- de Joan DeJean, editora
Civilização, uma pesquisa sobre a invenção a partir da era moderna, de modos
menos duros e mais confortáveis de viver, mais adequados às conversas e aos
momentos de descanso, de diversão e principalmente de sedução. Entre os itens
selecionados pela pesquisadora, está o sofá, que passa a permitir não só
momentos de descanso e ócio, como uma maior proximidade/intimidade entre as
pessoas, inclusive de diferentes sexos, o que facilitava a prática dos assédios
amorosos, além das leituras ou das “fofocas”. Outro item mencionado seriam os
banheiros que passavam a ter chuveiros com água corrente, acrescentando assim
um plus de prazer a um ato inicialmente higiênico. Num jogo rápido, é como se
pudéssemos conferir a escalada moderna em direção ao usufruto dos prazeres (mais
mundanos?, mais eróticos? mais livres de protocolos?) algo que na atualidade
nos parece de direito. Poucos contestariam o fato de ser hoje bastante “natural”
para cada um a busca de satisfação, mesmo nas desmesuras dos apetites ou na
insaciabilidade dos desejos, incluindo aí a prática de uma certa antecipação (imaginária)
do quanto poderemos nos lambuzar (de prazer) diante das milhares de
possibilidades que criamos no mundo atual que contêm este tipo de promessa.
Estão aí as propagandas criadas para que possamos degustar tal antecipação e que
atestam o caráter ilimitado de nossas fantasias. Mas não deixa de ser
interessante pensar que a pesquisa toma o “conforto” como ponto de partida para
as várias invenções que hoje poderiam ser contabilizadas como a instituição
progressiva do direito aos excessos, ou melhor, da assunção da falta de limites
para o que podemos desejar. No entanto é inegável que a quebra sistemática de
protocolos que continham regras específicas, mais rígidas e constrangedoras dos
modos de se estar no mundo tenha como contraponto um novo “custo vida” para
cada um. E ele nem sempre é muito transparente, ou simples. Sem muitas normas e
referencias que nos orientem, cabe a cada um produzir os limites e fronteiras
necessários não só ao convívio com os outros, mas conosco mesmos. Mais do que
nunca somos “medidos” (até por nós mesmos, a famosa autoestima), mas agora
muito mais pela competência com a qual conseguimos gerenciar nossos excessos e
manter ao mesmo tempo nossos laços profissionais e amorosos, nosso corpo bem
talhado, uma medida aceitável para nosso consumo de objetos, drogas, alimentos,
isso tudo sem sucumbir a um “excessivo” sentimento de vazio ou de fracasso que nos
conduza à depressão. Custos preciosos para tentarmos manter nosso “conforto”. Parece,
portanto, que o “conforto” que no inicio da modernidade significava muito mais
a produção de ferramentas e objetos que facilitassem ou tornassem mais
prazerosa nossas vidas, deslocou-se para um conforto interno, psíquico, em que
tentamos evitar a qualquer custo, um excesso de “mal estar”, que nos proteja de
grandes deformações em nossa (auto) imagem, da solidão, do sentimento de
desamparo, da falta de sentido de nossas vidas, da preocupação e aflição com o
corpo ou com suas limitações (doença, envelhecimento, morte) para que possamos usufruir,
sem culpa ou vergonha, dos “bons” excessos. Operação delicada, que no melhor
dos casos produz nossos sintomas psíquicos, nossas tentativas de buscar um
quantum de “conforto” ao preço de uma redução substancial do espectro ilimitado
que uma vida pode oferecer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário