Um texto indignado, mas
corajoso do jornalista
carioca Luiz Fernando Vianna foi publicado na Ilustríssima (Folha
de SP) de 17 de março de 2013. Próximo ao recém-instituído (2008) dia mundial
da conscientização do autismo, 2 de abril, não se pode deixar de celebrar
qualquer espaço midiático que se abre para este que é um tema dos mais
controvertidos. Escrito de forma coloquial, o reporter se apresenta desde o início
como pai de uma criança autista agora com 12 anos e discorre com um tom às vezes
áspero e sarcástico, outras cético e até melancólico sobre as agruras deste
lugar revelando sua pesada bagagem no trato da natureza dos constrangimentos em
torno desta “viagem”. Se há pontos de interrogações, debates ou mesmo disputas
nos campos médicos e psi em torno das origens, do diagnóstico e dos
“tratamentos” não é nada dificil imaginar como muitos destes pais ficam à
deriva, batendo de porta em porta em busca de respostas e direções. Em uma tentativa de discutir as
implicações desse diagnóstico para a vida de uma criança e de seus pais, Vianna
toma um atalho bastante pessoal ao percorrer seus impactos morais, pedagógicos
e emocionais e, embora dedique algum espaço ao ressentimento diante do
preconceito, celebra o auxilio dos recentes relatos de autistas na web e/ou
produções literárias e cinematográficas de biografias sobre o tema. Ainda em
uma jornada muito pessoal, critica e contrapõe as metodologias terapeuticas
segundo uma abordagem cognitivo- comportamental ou psicanalitica e aponta as
controversias em relação às recentes pesquisas na área médica que sinalizam fatores
neurologicos ou genéticos. Como cada campo acena com suas “verdades” sobre o
tema geralmente cabe aos pais (nem sempre com um consenso entre os conjuges)
escolher (acreditar, apostar) em algum destes caminhos. A propria definição de
autismo pode variar segundo a época e os grupos que se ocupam de pesquisa-lo
e/ou oferecer tratamentos. Na linguagem acadêmica atual o autismo – que atinge quase
1% da população global - tem sido tratado como uma disfunção global do
desenvolvimento que altera e afeta a capacidade de comunicação, de socialização
(estabelecer relacionamentos) e de comportamento (responder apropriadamente ao
ambiente). E para acomodar os diversos modos de manifestação e a gama de
possibilidades dos sintomas mais recentemente cunhou-se o termo Transtorno do
Espectro Autista. A psicanálise esteve desde sempre associada aos caminhos e
descaminhos deste transtorno e muitos psicanalistas se dedicaram ao que lhes
parecia ser um campo fertil de pesquisa sobre os primórdios da constituição do
psiquismo humano, compondo relatos e teorias importantes através de suas
clínicas. Mas, afora os quadros fenomenológicos descritivos, é provavel que o
fato de não existir uma teoria consensual sobre o autismo pese sobre a respeitabilidade
social das práticas, assim como pela manutenção do preconceito. Também é
provavel que algumas das teorias no campo da psicanalise tenham
contribuido para que
certas representações culturais sobre o autismo fossem relacionadas à ideia de
deficit, de impossibilidade, de um mundo psíquico desvitalizado ou de pais que
não ofereciam as condições necessárias para um desenvolvimento “adequado”. Se,
no entanto for possivel – como já acontece em alguns lugares - não engessar a
“condição” autista com teorias fechadas e rígidas e tornar seu campo mais
aberto a atendimentos feitos por equipes multidisciplinares, é provavel que não
seja mais o adjetivo “vergonha” (destacado pelo reporter) que abaterá
aos pais que descobrem ter um filho com este diagnóstico. Para a
psicanálise em especial, toda e qualquer criança cumpre uma trajetória singular
de desenvolvimento e constituição, ainda que nasça com alguma alteração
genética.
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