sexta-feira, 29 de março de 2013

Quem sou este


Um texto indignado, mas corajoso do jornalista carioca Luiz Fernando Vianna foi publicado na Ilustríssima (Folha de SP) de 17 de março de 2013. Próximo ao recém-instituído (2008) dia mundial da conscientização do autismo, 2 de abril, não se pode deixar de celebrar qualquer espaço midiático que se abre para este que é um tema dos mais controvertidos. Escrito de forma coloquial, o reporter se apresenta desde o início como pai de uma criança autista agora com 12 anos e discorre com um tom às vezes áspero e sarcástico, outras cético e até melancólico sobre as agruras deste lugar revelando sua pesada bagagem no trato da natureza dos constrangimentos em torno desta “viagem”. Se há pontos de interrogações, debates ou mesmo disputas nos campos médicos e psi em torno das origens, do diagnóstico e dos “tratamentos” não é nada dificil imaginar como muitos destes pais ficam à deriva, batendo de porta em porta em busca de respostas  e direções. Em uma tentativa de discutir as implicações desse diagnóstico para a vida de uma criança e de seus pais, Vianna toma um atalho bastante pessoal ao percorrer seus impactos morais, pedagógicos e emocionais e, embora dedique algum espaço ao ressentimento diante do preconceito, celebra o auxilio dos recentes relatos de autistas na web e/ou produções literárias e cinematográficas de biografias sobre o tema. Ainda em uma jornada muito pessoal, critica e contrapõe as metodologias terapeuticas segundo uma abordagem cognitivo- comportamental ou psicanalitica e aponta as controversias em relação às recentes pesquisas na área médica que sinalizam fatores neurologicos ou genéticos. Como cada campo acena com suas “verdades” sobre o tema geralmente cabe aos pais (nem sempre com um consenso entre os conjuges) escolher (acreditar, apostar) em algum destes caminhos. A propria definição de autismo pode variar segundo a época e os grupos que se ocupam de pesquisa-lo e/ou oferecer tratamentos. Na linguagem acadêmica atual o autismo – que atinge quase 1% da população global - tem sido tratado como uma disfunção global do desenvolvimento que altera e afeta a capacidade de comunicação, de socialização (estabelecer relacionamentos) e de comportamento (responder apropriadamente ao ambiente). E para acomodar os diversos modos de manifestação e a gama de possibilidades dos sintomas mais recentemente cunhou-se o termo Transtorno do Espectro Autista. A psicanálise esteve desde sempre associada aos caminhos e descaminhos deste transtorno e muitos psicanalistas se dedicaram ao que lhes parecia ser um campo fertil de pesquisa sobre os primórdios da constituição do psiquismo humano, compondo relatos e teorias importantes através de suas clínicas. Mas, afora os quadros fenomenológicos descritivos, é provavel que o fato de não existir uma teoria consensual sobre o autismo pese sobre a respeitabilidade social das práticas, assim como pela manutenção do preconceito. Também é provavel que algumas das teorias no campo da psicanalise tenham contribuido para que certas representações culturais sobre o autismo fossem relacionadas à ideia de deficit, de impossibilidade, de um mundo psíquico desvitalizado ou de pais que não ofereciam as condições necessárias para um desenvolvimento “adequado”. Se, no entanto for possivel – como já acontece em alguns lugares - não engessar a “condição” autista com teorias fechadas e rígidas e tornar seu campo mais aberto a atendimentos feitos por equipes multidisciplinares, é provavel que não seja mais o adjetivo “vergonha” (destacado pelo reporter)  que abaterá  aos pais que descobrem ter um filho com este diagnóstico. Para a psicanálise em especial, toda e qualquer criança cumpre uma trajetória singular de desenvolvimento e constituição, ainda que nasça com alguma alteração genética.

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