É comum aos que curtem
cinema preferirem assistir aos seus filmes em boas salas, que ofereçam uma
excelência de som e de imagens e assim facilitem o processo de envolvimento que
a história vai apresentando, a ponto de muitas vezes se torcer para que o filme
não termine, que se prolongue infinitamente. Claro que este tipo de mágica
acontece quando há alguma identificação com os personagens ou com o tema
apresentado. Foi esse o clima que vivi ao assistir a poucos dias atrás “Depois
de maio”, do diretor francês Olivier Assayas. Reticente no início, imaginando
tratar-se de mais um retorno (nostálgico?) ao cultuado ano de 1968 e sua marca
revolucionária, foi decisivo o número de estrelinhas que acompanhavam seu título
nos guias divulgados pela imprensa. Como prefiro me surpreender a me antecipar,
não li resenhas ou críticas que pudessem diminuir as dúvidas. Fui. De lambuja
convidei uma amiga que também curte cinema. Finda a sessão senti-me
constrangida em demonstrar de forma muito efusiva minha (agradável) surpresa
com a abordagem que o filme faz sobre um período importante de minha geração e
de minha vida. Não precisei. Ela estava emocionada e se antecipou ao verbalizar
seu pesar pelo término do filme. Queria que ele continuasse, que mostrasse as
cenas dos próximos capítulos de sua vida. Tivemos que eleger um lugar para
podermos falar uma à outra sobre este impacto. Uma entrevista no jornal Valor
(28/04/2013) confirmava ser o filme uma maneira de o próprio diretor questionar
este período de sua vida, o histórico anos 70, anos em que cabia aos jovens
protagonizarem mudanças importantes ou se alienarem sob os véus da tradição,
tamanha era a vala que parecia se formar entre o estabelecido e as
transformações por vir. Lá estavam tanto o apelo ao engajamento político com a
promessa de um mundo melhor e mais igual, que cobrava um envolvimento
ideológico absoluto, quanto o movimento da contracultura que questionava os
valores morais tradicionais e incentivava as experiências de libertação pelo
amor, sexo ou drogas. Entre estes cabia ainda a todos decidir sobre suas realizações
pessoais, seu futuro. Como se pudesse voltar e espiar a si próprio neste
passado, o diretor preferiu não “romancear” a época nem glamourizar algum destes dois lados e aproveitou este
distanciamento para refletir sobre os desejos,
dúvidas e inseguranças dos jovens, quem sabe em busca de indícios que
antecipassem a candura e a inocência daquela aposta em ideais humanitários tão
elevados ou em modos de vidas tão alternativos. No filme, ao eleger Gilles como
seu alter ego, empresta ao personagem a possibilidade (que talvez os jovens
imersos nestas mudanças não conseguissem) de uma vista aérea de sua vida,
dando-lhe assim a chance de debater suas escolhas. Ainda que se saiba que a
“juventude” é um período (legítimo, diga-se) de suspensão, transição e passagem,
Gilles encarna o adolescente “ideal” que busca de forma equilibrada um lugar para
si no mundo, e tenta tirar o melhor dos dois lados. Nesse sentido é como se o
diretor constatasse que nestas poucas décadas tivemos que nos haver (às duras
penas) com esta promessa de felicidade (de um mundo perfeito com pessoas
satisfeitas), que está longe de ser um estado a se conquistar já que o desencanto,
os obstáculos, os reveze e as lutas para uma vida que valha a pena ser vivida fazem
parte do pacote. Mas também de que estamos mesmo em um novo mundo, com um novo
corpo, outra sexualidade, ética e moralidade e com modelos sociopolíticos
caducos. Neste balanço entre seu passado e o presente - que o diretor
convida-nos a participar - parece reverberar a citação do pensador francês Blaise
Pascal proferida na primeira cena do filme pelo professor de literatura: “Entre
nós, o inferno e o céu, há somente a vida, que é a coisa mais frágil do mundo”.
Um convite à busca de novos sonhos e novas referências poéticas, já que aquelas
que deram sentido aos anos setenta perderam seu prazo de validade.
Para conferir: “Depois de Maio”
(Après Mai) França 2013
Diretor: Olivier Assayas
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