quinta-feira, 30 de maio de 2013

Porque não é tudo azul


Em 1987 Philip Tetlock, então professor de psicologia e de ciência política de Berkeley (Califórnia, USA) resolveu investigar os resultados de previsões que cientistas políticos e outros pensadores faziam sobre fatos importantes (econômicos, políticos, sociais) que aconteciam no mundo. Nessa época, começava a desmoronar o antigo império socialista da União Soviética e dois anos depois cairia o Muro de Berlim, hoje vistos como marco importantes de um novo período mundial. Após 15 anos de pesquisa, Tetlock não só chegou à conclusão de que uma alta porcentagem das previsões destes pensadores não se confirmava, como os discriminou em duas grandes categorias, os “porcos-espinhos”  e as “raposas”, a partir dos resultados de questionários destinados a captar seus modos de apreensão do mundo. Em resumo, os "porcos-espinhos” seriam os que acreditam em certos princípios (grandes ideias) que regem o mundo e sustentam todas as interações que ocorrem na sociedade. Já as “raposas” admitem a fragmentação, acreditam em abordagens diferentes para um problema e tendem a ser mais tolerantes em relação às nuances, à incerteza, à complexidade e às opiniões discordantes. Para ele as “raposas” seriam os que conseguiriam fazer melhores previsões justamente por não se encantarem com uma ideia grandiosa e preferirem um exame mais minucioso e diversificado dos fatos (Caderno Ilustríssima do dia 12/05/2013). Mesmo com as diferenças e uma avaliação mais favorável às “raposas”, Tetlock reconhece ser a política um campo especialmente suscetível a previsões infelizes devido aos seus “elementos humanos”. Em uma recente entrevista, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman do alto de seus 88 anos afirmava ter passado sua vida perseguindo um único e nobre objetivo, o de ser capaz de compreender os seres humanos e o diálogo inter-humano. Conclui que nós preferimos habitar um mundo ordenado, limpo e transparente, em que o bem e o mal, a beleza e a feiura, a verdade e a mentira se encontrem nitidamente separados um do outro e jamais se misturam, para que possamos ter certeza de como são as coisas, aonde ir e como proceder. Gostamos de imaginar que os julgamentos e escolhas possam ser feitos sem o árduo trabalho de nossa compreensão. De certa forma Bauman afirma tal e qual Tetlock que temos uma tendência, provavelmente protetora, de “ordenar” nossa apreensão do mundo de uma forma mais simples e objetiva. Quanto à política, é hoje um tema dos mais viscosos, e em quase a totalidade dos países, o “político” está de braço atado aos interesses econômicos, sejam de empresas, do próprio Estado ou de seus “jogadores”. A infinita complexidade da dimensão política fica esquecida e mesmo a mídia, esquivando-se de um debate sobre as inconsistências ideológicas, dá maior visibilidade às disputas de poder entre os de esquerda e os de direita, os conservadores e os social democráticos, a situação e a oposição, os privilegiados e os oprimidos, e assim por diante. Avaliações de “porcos-espinhos”, diria o cientista americano, ou uma visão do mundo que tenta “ordenar” as coisas para não provocar dúvidas ou desconfortos, diria Bauman. Sendo a terceira maior cidade do mundo, São Paulo esbanja complexidade e deveria convocar permanentemente o setor público para as suas deficiências e a população para debater suas questões mais cabeludas. Mas São Paulo também exibe uma exuberante contemporaneidade cultural que a maioria de seus habitantes mal reconhece. Ela é, por exemplo, a cidade mais nordestina do Brasil, assim como possui a maior quantidade de negros. A Virada Cultural que acontece todo maio e já foi uma ideia de outros governos deveria ser apartidária. Uma ideia boa para todos não deveria ter dono. Aqueles que acorrem ao seu chamado e se preparam para usufruir da  sua extensa e variada programação sabem bem que para curtir a Virada Cultural  é preciso “compreender” seu sentido e deixar-se afetar pela convivência com as diferenças em toda a extensão que esta palavra pode ter: de classes sociais, de raças, de idades, de modos de viver, de cantar, dançar, de comer, de chorar, de se alegrar e até de não gostar. Nem “porcos-espinhos” nem “raposas”, nem um mundo muito ordenado, apenas gente disposta deixar a vida cotidiana e se deixar surpreender.

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