Dos filmes indicados ao Oscar 2013, apenas “Os
Miseráveis” estava na prateleira aguardando certa reticencia minha a encarar
esta versão musicada da obra de Victor Hugo. Talvez porque tendo assistido a
versão anterior estrelada em 2000 nos cinemas com Gérard
Depardieu encarnando Jean Valjean e John Malkovich o de seu algoz Javert, minha
curiosidade se restringisse ao esmero desta nova produção e ao recorte dado aos
cinco volumes da saga publicada pelo autor em 1862. Finda a sessão, no entanto,
percebi que minha resistência também passeava pela aridez deste período da
historia, por sua miséria real, social e moral. Sem recursos financeiros de
qualquer ordem, sem opções de trabalho, sem direitos, restava “aos miseráveis” franceses
acreditarem serem visíveis para um Deus solidário e benevolente. Se Deus se
importasse, não só valeria a pena viver, mas desejar ser um ser humano, e quiçá
melhor. A biografia de Victor Hugo impressiona não só pela sua extensa e
diversificada produção literária, ativa até o final de sua vida, (é dele p.e. “O
Corcunda de Notre Dame”), mas por seu ininterrupto engajamento nas lutas
políticas e ideológicas do século XIX, arauto declarado da democracia liberal e
humanitária. Exilou-se nas ilhas de Jersey e Guernesey durante todo o segundo
Império de Napoleão III (quase vinte anos), retornando somente após a sua
queda, muito aclamado pelo povo francês. Revisto assim, desde o século XXI,
Victor Hugo foi um destes homens de espírito livre em um tempo sombrio, que
ousou defender suas ideias, escreveu como e quanto quis e viveu apaixonado pela
vida, apostando em dias melhores. No entanto, assistir ao seu épico “Les
Miserables”, se pode produzir um grande desconforto pela dramaticidade pungente
daquelas vidas com destinos tão estreitos, também causa um grande alívio,
quando medimos quão distantes estamos deste mundo sem leis, sem liberdade, sem
oportunidades e porque não, sem conforto. De lá para cá, neste mesmo mundo,
promovemos grandes transformações físicas e sociais que nos permitiram
aumentar e muito nosso tempo para cuidar
e saber mais sobre nós mesmos. O próprio verbo “consumir” só tem sentido quando
pensamos que hoje, ao nascer uma criança, é muito provável que ela já venha
acompanhada de desejos de adultos que a anteciparam e sonharam para ela uma
vida cheia de bons momentos e muito sucesso. Seja lá o que isso possa significar
para cada adulto que investe sua criança com seus sonhos. A capa da revista americana
Times de 9 de maio de 2013 chamava a atenção para a Geração “Me Me Me” ou Millennials,
ou seja, aquele 1/3 da população mundial que nasceu entre 1980 e 2000 e que
possuem características próprias por seu uso da tecnologia e pela maneira com
que se relacionam com a felicidade. Esta geração que estaria desconstruindo de
forma radical antigas maneiras de viver mereceu uma extensa matéria que cruzava
resultados de diversas pesquisas e batizava-os de narcisistas (ou
autocentrados) e preguiçosos e, embora menos preconceituosos por conviverem com
uma diversidade maior de pessoas, mais alienados politicamente e com suas vidas
definitivamente atadas ao modo “rede” de funcionamento. Auto fotografar-se,
postar informações sobre onde se encontram, com quem, o que estão fazendo, o
que estão vestindo, comendo, pensando ou sentindo através de seus smartphones,
os define. Com um tom cético, a matéria não parecia vislumbrar um mundo melhor
“dirigido” por esta geração. A jovem americana Zara Kessler, de 22 anos,
editora de opinião da rede “Bloomberg” saiu em defesa de sua geração, marcando
as diferenças de épocas e lembrando que todas as gerações de jovens podem ser
analisadas sob o estranhamento dos adultos que foram jovens em tempos
anteriores. Mais que isso, ela pontuou algumas dessas diferenças, a começar
pelo plano dos ideais vigentes nas sociedades atuais, que estariam vetados à
sua geração como certas profissões antes celebrizadas, salários altos,
aquisição de casa própria e bens materiais, etc. Não haveria no horizonte do
mundo futuro, esta mesma aposta que já foi de gerações anteriores. Podemos
acrescentar aos itens citados o fato de que a tão badalada “autoestima” ,
caçada por sua geração como se fosse condição de sobrevivência, é antes de mais
nada um produto dos desejos dos pais. A felicidade que todos sonhamos para
nossos filhos os faz presa desta busca, o que na maioria das vezes não
corresponde ao que realmente sentem ou pensam de si. Ao contrário, é com muito
“suor” que os jovens desta geração buscam
reconhecer seus recursos, talentos e falhas para poderem, enfim,
vislumbrar alternativas possíveis de vida, de amores, de trabalho. No mundo de
Victor Hugo, muita coisa ainda precisava acontecer, mas a grande maioria hoje delas
nos parece óbvias. Zara Kessler, com seus 22 anos, não sabe ainda como vai ser
o mundo futuro. Nós também não. Mas vai ser muito diferente deste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário