Dia desses uma amiga, após ser convocada por si
mesma a passar uma informação que evitaria uma surpresa desagradável a uma
colega, comentou ironicamente que sua atitude tinha como objetivo maior
contribuir com a garantia de seu passe para o “paraíso”. Assim, em pequenas
“prestações”, ela apostava na conquista de certo sossego enquanto vivesse, já
que poderia contar com o conforto de acreditar que “Alguém” estaria pontuando
seu bom comportamento. Corta. Um conhecido que participou recentemente de uma
reunião em seu condomínio ficou espantado
quando num certo momento, em um efeito dominó, alguns moradores passaram a se
alterar e ficar mais violentos ao reclamarem seus direitos ou queixarem-se dos
incômodos do convívio coletivo. Suspirou aliviado, a seguir, diante da
intervenção sensível do síndico que, ao perceber que tais moradores precisavam
de uma atenção especial, soube se colocar como mediador dos conflitos,
oferecendo-se para ajudar a resolver algumas pendengas, sem se esquecer de
evocar aos reclamantes a parte que lhes cabia na política (sempre difícil, sem
dúvida) da boa vizinhança. Quem sabe algo que tenha faltado na história trágica
divulgada dias atrás, em que sem conseguirem resolver as crescentes desavenças
que só aumentavam o ódio de parte a parte, um empresário de 62 anos de posse de
seu 38, invadiu enlouquecido o apartamento de cima e matou a queima roupa o
casal de moradores, poupando de sua ira apenas o filho de um ano e meio.
Provavelmente sem poder suportar o que imaginava serem as consequências de seu
ato, apontou a seguir o revolver para si e pôs, assim, um “fim” a todas as
perturbações. Como sempre acontece em fatos tão inimagináveis à maioria -
justamente pela maneira obscena e banal com que a vida humana é tratada – espalham-se
indignações, mas principalmente medos e inseguranças já que qualquer um, de
qualquer lugar, pode ser portador de um excesso incompreensível de violência e
ódio. Mas quem sabe o “matador” não estivesse em seu estado normal, quem sabe
ele estivesse passando por problemas graves, ou portador de algum transtorno
psíquico? Não é o que revela sua esposa (e amigos) que atribui seu ato a um
“surto de loucura” circunscrito àquela situação. Claro que não podemos afirmar
muito sobre suas razões e/ou desrazões. Podemos somente reafirmar que faz parte
de nossos arquivos históricos, as inúmeras formas (a depender de épocas
históricas) de se fazer mal ao outro, de se deixar fazer mal e até de se fazer
mal a si próprio. Não há convívio sem conflitos e para vivermos todos precisamos
de um jeito ou de outro, negociar com nossa economia destrutiva tanto quando
ela se dirige a nós mesmos quanto aos outros. Mas assim como o que muda na
história são as formas do “mal”, para cada um de nós estas negociações ficam
atadas ao complexo processo de nos tornarmos gente. Na reunião de condomínio
citada acima, o síndico emprestou suas palavras para dar um sentido aos
distúrbios entre os moradores, delimitando ao mesmo tempo as responsabilidades
que cabia a cada parte, inclusive ao condomínio enquanto regulador desta
convivência. Também minha amiga negociava consigo mesma os “custos” de sua
solidariedade para com a colega. São estratégias de reconhecimento que, se por
um lado podem funcionar como moduladores da violência, estão cada vez mais
sujeitas à possibilidade ou não de existir um “outro”, um terceiro, capaz de
ajudar a constituir (no plano psíquico) ou fazer as vezes do espaço ético
necessário à convivência humana (no plano social). Nem a bondade nem a maldade
habitam lugares predeterminados em nossos cérebros. Elas são construções
categoria 3D Não nascemos bons ou maus. Comecemos,
pois pela admissão de que todos podem “cometer” o mal.
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