quinta-feira, 20 de junho de 2013

Quem viu o futuro?


A menos de uma semana, o artista chinês Ai Weiwei, famoso por seu trabalho permanentemente provocativo, denunciador  e político, que já lhe valeu uma detenção de quase três meses pelo governo de seu país, escreveu um texto indignado  para o jornal britânico The Guardian (traduzido aqui pela Folha de SP). Mais que indignação, havia um tom de decepção diante da informação sobre a operação americana de monitoramento dos serviços de inteligência dos Estados Unidos denunciado pelo técnico em informática Edward Snowden, que trabalhava há 4 anos na NSA (Agência Nacional de Segurança) e tinha acesso a dados privados de usuários de internet e telefonia. Tendo vivido 12 anos nos Estados Unidos, Weiwei exaltara a grande tradição de individualismo e privacidade deste país que sempre se contrapôs ao desnudamento sistemático dos cidadãos chineses, acostumados com o abuso do poder de Estado. Ao ler seu texto me lembrei de um filme de Spielberg (2002), Minority Report (relatório da minoria) – A nova lei, uma ficção sobre o funcionamento da sociedade americana no ano de 2054, em que a despeito do avanço ininterrupto da tecnociência , o mundo havia se tornado um lugar inseguro e violento. Em 2048 o índice de homicídios teria alcançado proporções alarmantes, o que contribuíra para que a cidade de Washington experimentasse um projeto piloto - o Programa Pré-Crime - que em seis anos havia conseguido banir os crimes utilizando-se de uma tecnologia biovirtual onde três “precogs” (pessoas altamente sensitivas) projetavam imagens de suas previsões de assassinatos com o dia e a hora dos crimes. Graças mais uma vez à tecnologia, fornecidos o nome da vítima e do assassino, uma elite de agentes policiais prendia o criminoso antes mesmo que o delito acontecesse. Dilema moral: se alguém é preso antes de cometer o crime, como pode esta pessoa ser acusada de assassinato? Seria lícito incriminar alguém apenas pela sua intenção? Apesar deste paradoxo um forte lobby pressionava a população a aceitar o programa e assim estende-lo por todo o país, já que eliminava os assassinatos nos Estados Unidos. Estaria assim consolidado um mundo futuro, em que haveria um sistema criado para coibir a violência e proteger os indivíduos deles mesmos, ou melhor, de seu mal. Mas curiosamente este futuro não seria uma possibilidade, uma escolha em aberto para os indivíduos, já que a “pre-visão” seria considerada como algo que realmente aconteceu. Quando John Anderton (Tom Cruise), o policial mais competente da equipe, vê através dos precogs, que matará um desconhecido em menos de trinta e seis horas, inicia por conta própria uma investigação cheia de ação que culminará no desmantelamento do sistema antes “perfeito”. Ai Weiwei denunciava esta contradição em seu texto, ao apontar que graças às suas capacidades técnicas, os Estados poderiam facilmente conseguir dados sobre seus cidadãos visando controlá-los, interferindo de forma abusiva em seus direitos individuais. Em audiência no senado americano, o diretor da ASN general Keith Alexander disse que a vigilância é necessária tanto para "defender a democracia e as liberdades civis dos americanos" quanto para manter o país em "segurança". Mas Weiwei insiste no fato de que instaurada uma outra dimensão de medo e insegurança – seja pela possibilidade de não haver mais liberdade ou pela abolição da confiança dos cidadãos para com seus governos, perde-se o equilíbrio que mantém a “civilização” e que está na base de uma democracia. Não passaram despercebido nem aos brasileiros nem ao mundo, as surpreendentes manifestações de protestos dos jovens iniciadas em São Paulo, que acabaram por replicar em várias capitais do Brasil (e outros países em um apoio solidário emocionante). Por trás dos singelos 0,20 centavos reivindicados, os gritos clamavam por um cuidado e respeito dos governantes e políticos para com sua população, para com suas cidades, seu país. Que acordassem para a necessidade de reconstruir um espaço político com instituições que não estivessem falidas ou sucateadas por um modelo de interesses de poder e grana. Que devolvessem as ruas, as cidades, os espaços públicos aos jovens, para que eles pudessem continuar acreditando em um futuro. Uma revolta contra o descaso. Uma reivindicação de Jovens, que em diferentes épocas históricas buscam ativamente uma versão de seu tempo para afirmar seus sonhos e ideais, e lembram a todos os mais velhos, que são eles que abrem caminhos para novas verdades, novos movimentos transformadores de nossa existência. Mais, que não há convivência possível sem um bocado de dignidade.

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