terça-feira, 18 de junho de 2013

O cão nosso de cada dia


Formávamos um quarteto de amigas à espera de um garçom que nos atendesse. Enquanto isso, a única avó da mesa saca seu celular e passa a desfilar as fotos de seus três netinhos. Todas olham embevecidas as caras, bocas e poses de cada um. Faz-se um ohhhhh geral. Sem conseguir evitar, outra amiga tira seu celular da bolsa e mostra a foto de seus dois amores estampada na capa. Que lindos, exclamamos duas de nós. Que pelos maravilhosos!!! Eles parecem estar sorrindo! Indignada, a outra balança a cabeça sem poder entender o entusiasmo. A dona dos cachorros sorri e comenta em tom baixinho: “ela nunca teve cachorros, não sabe o que é isso”. O “isso” era sem dúvida o sentimento comum que havia tomado conta de nós três que, ao contrário, tínhamos muitas estórias para contar sobre nossos cães em nossas vidas. O estranhamento desta amiga para quem os cães eram apenas animais como outros quaisquer, no entanto despertou-nos a ânsia de explicar o que (para ela) era inexplicável: como nossas vidas tinham sido afetadas por estas criaturas. Passamos assim a contar estórias emocionadas, como se estivéssemos falando de nossos próprios filhos. A dona da foto do celular que morava em uma casa em Belo Horizonte descreveu seu dia a dia com aqueles que eram, por enquanto, seus “netos” de 10 e 8 anos. Os filhos já haviam se mudado para compor novas famílias, mas ainda não eram pais e os dois cães ocupavam o lugar das crianças da família, o que os tornava assunto de interesse de todos. Pelo menos uma vez ao dia seus filhos ligavam para saber notícias das “crianças”, fato que a deixava muito empolgada, pronta para descrever entusiasmada as últimas peripécias da dupla. Ouvindo-a narrar sua estória pensei (com meus botões) como a experiência de ter esses “bichinhos” morando em apartamentos acrescentava variáveis inimagináveis ao convívio entre os “donos” e seus cães. As lembranças de Bob ainda estavam misturadas ao luto pela sua morte acontecida há dois meses, depois de 18 anos de convivência diária e intensa. Bob era um Fox Paulistinha (o amor pela raça herdamos de nossa querida amiga ribeirão-pretana Márcia), conhecido por sua inteligência, que passou a dividir espaços conosco quando meus filhos ainda estavam na pré-adolescência (8 e 12 anos) e rapidamente fez de nossa casa sua casa. Tinha seus lugares, alimentos, objetos, odores e sons preferidos assim como sabia comunicar aqueles que não faziam seu gosto. Ao longo de nossa vida “familiar” desenvolveu comportamentos diferenciados que agradava a cada um em particular. Sua vitalidade era invejável: ao som do interfone corria à porta a espera da “visita” até que esta tocasse a campainha. Se se anunciasse a possibilidade de algum passeio não descansava enquanto o fato não se consumasse, ou seja, ia do local em que estava sua coleira até a porta, voltava-se para o “anunciante” e repetia este percurso à exaustão (de todos). Quando finalmente “vestia” a coleira, saía pelo corredor até o elevador saltitante e satisfeito. Se faltasse água ou ração sabia bater com insistência nos respectivos pratos para pedi-los. Morreu de velhice como quem não queria ir-se. Em seu ultimo ano de vida, mesmo tendo perdido a visão e a audição, ainda distinguia as pessoas e os locais pelo faro. Tinha se tornado membro “efetivo” da família e era raro não ser tema de conversas animadas ao redor de mesas de almoço ou jantar em que se discorria sobre suas surpreendentes estórias. Nossa amiga desconhecia este mundo “novo” em que cães comportam-se de forma ajustada a casa, à rotina e à convivência com seus “familiares”, se “humanizam” e  entendem vários códigos de nossa linguagem. Cães que adoecem e se alegram com seus donos, podem se deprimir ou serem “ansiosos”. Cães que vivem como gente.

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