sexta-feira, 10 de maio de 2013

Pais, filhos, família.


Um casal de amigos que, assim como tantos, enfrentou as duras e conflituosas questões que acompanham as dificuldades de engravidar acabou decidindo adotar uma criança. Passados alguns anos e muito felizes em seus papéis parentais sentiram-se seguros para fazer uma segunda adoção. Na busca ou espera de opções se depararam com um casal de gêmeos e se apaixonaram pela ideia. Sua experiência foi tão satisfatória que abriu espaço para que um casal de amigos seus, que enfrentava as mesmas dificuldades, decidisse adotar uma criança. Coisas de destino, no abrigo em que escolheram seu “filho”, este só poderia ser adotado se seus dois irmãos também pudessem ficar juntos. E foi assim que de um dia para outro, eles se tornaram pais de três crianças, irmãos entre si. O processo de adoção, embora seja uma prática antiga no Brasil, sofreu transformações importantes nas ultimas décadas, principalmente a partir da implantação do ECA (Estatuto da Criança e do adolescente) em 1990. Os antigos “orfanatos”, quase depósitos de crianças abandonadas e órfãs foram se transformando em “abrigos” e a guarda, a tutela e a adoção de crianças ganharam normas e assistência de profissionais de diversas áreas – jurídica, social, psicológica- que cuidam dos trâmites necessários a este processo. No dia 27 de abril último, o Parlamento francês aprovou o projeto que permite tanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo quanto a adoção de crianças por casais homossexuais, e o mundo assistiu surpreso os protestos indignados de uma parcela bastante significativa da população de um dos países com mais longa tradição na defesa dos direitos humanos. O que teria acontecido? Sem nenhum ineditismo, já que vários países (não só da Europa) já aprovaram tal medida e em muitos outros (no Brasil inclusive) estes processos (ou parte deles) tramitam no plenário, a gritaria parecia informar alguma mudança drástica demais aos modos de viver até então. Se atentarmos a uma certa revolução nos costumes, nem tão silenciosa, não fica difícil voltarmos algumas décadas quando a conquista da igualdade do direito das mulheres de viver suas vidas como bem quisessem transformou o campo amoroso e sexual e ajudou a fundar uma nova maneira de entendermos a constituição da família e seus sagrados lugares de pai, mãe e filhos. Nessa ocasião muitos pensadores saíram a campo tentando prever o futuro destas mudanças drásticas. Quais? Os anticoncepcionais permitiam as mulheres terem uma autonomia antes inimaginável sobre sua maternidade e sua vida sexual. Aos poucos as leis que regiam os casamentos - antes um projeto social amplo, construído em longo prazo - tiveram que “desconstruir” o que parecia tão natural, incluindo as leis sobre separações e divórcios. Tais liberdades abriram caminhos para que os homossexuais que viviam às sombras das sociedades pudessem inicialmente tímidos e depois com muita gana brigar por seus direitos. Em geral a promulgação de uma nova lei acontece quando na cultura aqueles comportamentos já estão em voga. Homossexuais de quase todos os países democráticos não só vivem maritalmente como muitos adotam crianças. É provável que a barulheira em torno da consolidação destes direitos tenha suas motivações em certa crença difícil de ser desconstruída: a de que nossa família não se funda mais em uma ordem natural, biológica e heterossexual, em que um “macho” deve copular com uma “fêmea” para que nasçam os filhos, perpetuando assim a espécie, os ritos e a tradição. Neste sentido demos mais alguns passos no afastamento  de nossa “animalidade” em direção a uma cultura humana, baseada em critérios sociais. As crianças vão precisar ser “adotadas” – em um processo de se tornarem filhos- e os pais terão que construir sua parentalidade, ou seja, “adotar” suas crianças sendo elas filhas biológicas ou não.

Nenhum comentário:

Postar um comentário