A manchete dos jornais do último 4 de março anunciava
os 100 dias que faltam para o início da Copa do Mundo. Mas de certa forma ficamos
em dúvida se devemos nos ufanar do fato de que nosso país do futebol arte, que
produziu os maiores craques de todos os tempos, mereça mesmo sediar este
evento tão importante, ou se nos envergonhamos diante de certa previsão
irradiada pela mídia local e internacional de que nosso país nunca teve e nem
terá seriedade e responsabilidade necessárias para tal organização. Pode-se
dizer que esta ambivalência assola a grande maioria dos brasileiros. Mesmo que
em algum lugar da alma haja uma torcida silenciosa para que a Copa do Mundo
seja um acontecimento inesquecível – incluído aí a grande vitória do país- só
se consegue elencar de forma crítica, a mal ajambrada organização, que se
desconfia estar repetindo os velhos modelos de distribuição dos bônus entre os
gulosos que tiveram a sorte de fazer parte do “esquema”. Um casal de amigos que
acaba de voltar de suas férias anuais, desta vez pela Alemanha, apontava certas
diferenças interessantes entre os dois países. Cabe revelar que estes amigos
levam muito a sério o planejamento de suas férias. Elas são pensadas nos
mínimos detalhes e isto significa conseguir comprar a passagem, alugar carros,
reservar hotéis e pesquisar os melhores e mais interessantes lugares/cultura
para conhecer sempre levando em conta a métrica custo/benefício, incluído aí um
quantum importante de satisfação estética. Louco por motores, ele ansiava
alugar um certo carro alemão e “voar” pelas famosas Autobahn, sem controle de
velocidade máxima. Um sonho antigo. Mas reconhecia que isso só podia existir em
um país cujos habitantes pudessem reconhecer eles próprios os limites desta
falta de limites. Por exemplo, ao contrário da faixa da esquerda em nossas
autoestradas, majoritariamente utilizada independente se pretendemos ou não
manter a velocidade máxima permitida, na Alemanha, a faixa da esquerda fica
livre para os que desejam “voar”. Aqueles que querem ou precisam fazer uma
ultrapassagem sabem que deverão retornar imediatamente a sua pista anterior.
Como a maioria dos países desenvolvidos, os radares não existem para serem
burlados e por isso não se informa onde estão. Eles ajudam os usuários a
cumprirem as normas o que por sua vez contribui para o sentimento de que todos
estão submetidos a elas. O mesmo se aplica para as placas de trânsito, levadas
muito a sério. Sabemos como no Brasil as leis já nascem com seu manual informal
das exceções. Somos muito rápidos e espertos para “instituir” o lado B de todas
as obrigações civis ou penalidades a que estamos submetidos. Dias atrás a mídia
revelou um fato que deixou a todos aturdidos. Uma boa fatia de nossos pilotos
pagava para que suas habilitações recebessem da Anac o carimbo de autorização
para voos comerciais, sem que eles precisassem passar pelos exames que conferem
seu conhecimento e experiência de voo. Outro exemplo? Não é incomum que se leia
em placas bastante chamativas, telefones que garantem a qualquer cidadão
soluções para seus problemas de pontuação de multas em sua carta de
habilitação. No fundo, cada um de nós sabe que em todos os níveis de
funcionamento de nossa sociedade, está encarnado este jeito de escapar à ordem.
Em menor ou maior escala todos tentam usufruir desta institucionalização da
exceção. Quem sabe por esta razão fique mais difícil acreditar que o país
mereça se dar bem. Mesmo que seja na Copa do Mundo, em que o esperado seria que
o bom futebol fosse a atração principal.
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