terça-feira, 18 de março de 2014

Inquietos – ou a despeito do dia da mulher



Costumo repetir para meus filhos – tenho um casal – que eles vivem no melhor dos mundos. Esta frase tem o objetivo de fazê-los refletir sobre a emancipação humana, ainda que esta espiral não seja nada simples de se pensar. Acontece que como mulher, não posso me furtar ao fato de imaginar-me (ou aos meus filhos) vivendo em um passado de trevas, em que a humanidade, ainda sem possibilidades de garantir a liberdade de expressão, pensamento e compreensão a cada um, seguia regras e normas baseadas muito mais no medo e no horror da ira de deuses, única maneira de obter algum tipo de certeza em relação aos enigmas e os mistérios de sua existência. A sexualidade, a virgindade, tudo o que se refere às diferenças de gêneros, ao ato sexual, à reprodução, ao nascimento de crianças e a perpetuação da raça humana, incluído aí o enorme acervo moral/cultural que herdamos e temos que transmitir, ainda hoje são temas difíceis, e que já habitaram (e de certa maneira ainda o fazem) a dimensão do “sagrado” e/ ou do “profano”. Vale lembrar que como mulheres, sempre fomos portadoras tanto do sagrado quanto do profano por sermos encarregadas de gerar novos seres humanos e ao mesmo tempo objetos de prazer erótico e sexual, ou seja, vivemos ambas as condições em nossos ventres. Talvez por isso ainda hoje algumas de nós são cobertas por burcas ou preconceitos, vigiadas pela sociedade ou pelo medo de pecar, mutiladas para não sentir prazer ou perder a alma. O universo feminino sempre foi um terreno fascinante e perigoso, mas por sorte sua representação e de seus mistérios acompanharam a evolução histórica. Ainda que em alguns pontos do planeta muitas mulheres ainda vivam na escuridão, o mundo contemporâneo nos premiou com uma inimaginável rede de conexões que permite um mapeamento rico dos diferentes estágios de nosso imenso acervo humano e nos convida a repensar sobre os silêncios, a camuflagem de sentidos, a violência de certas práticas. Mas se hoje em dia é mais fácil perceber que não há vereditos para nossos destinos de homens e mulheres, é sempre muito difícil encarar as incertezas disso e abrir-se às novas formas de se viver a vida. Como mulheres e até como pais, nos deparamos com o fato de que na tarefa de ajudar nossas crianças a viver seu futuro temos que aceitar um “não saber”- e eles também. E se os grandes enigmas desapareceram, eles deram lugar aos muitos e prósperos discursos que cada um pode criar para justificar suas crenças e modos de pensar e viver no mundo. O mundo feminino se ampliou e se diversificou. Há um sem fim de estilos do feminino que homens e mulheres podem desfrutar ou criar para si e deveria caber a cada um administrar sua inquietude e buscar as melhores maneiras de se estar no mundo, com seu bônus e ônus. No entanto esta é uma experiência disparadora de angústias, que  em geral nos faz temer habitar um mundo caótico e desorientador. Ainda assim as futuras gerações terão que se haver com estas demandas, gerenciar a angústia do que não sabem, aguçar sua curiosidade pelas novas possibilidades e vigiar constantemente o desejo insistente de nomear novos/velhos tabus, repetindo a submissão a padrões, ideais e regras imaginadas como garantias. Cabe fazer uma diferença importante quanto ao sentido das transgressões. Há sim, as que podem ser classificadas como perigosas ou propiciadoras de violência e caos, mas há as que são parte integral do exercício da liberdade e compõem o campo da transformação e da expansão do saber.

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