Costumo repetir para meus filhos – tenho um casal –
que eles vivem no melhor dos mundos. Esta frase tem o objetivo de fazê-los
refletir sobre a emancipação humana, ainda que esta espiral não seja nada
simples de se pensar. Acontece que como mulher, não posso me furtar ao fato de
imaginar-me (ou aos meus filhos) vivendo em um passado de trevas, em que a
humanidade, ainda sem possibilidades de garantir a liberdade de expressão,
pensamento e compreensão a cada um, seguia regras e normas baseadas muito mais no
medo e no horror da ira de deuses, única maneira de obter algum tipo de certeza
em relação aos enigmas e os mistérios de sua existência. A sexualidade, a
virgindade, tudo o que se refere às diferenças de gêneros, ao ato sexual, à reprodução,
ao nascimento de crianças e a perpetuação da raça humana, incluído aí o enorme
acervo moral/cultural que herdamos e temos que transmitir, ainda hoje são temas
difíceis, e que já habitaram (e de certa maneira ainda o fazem) a dimensão do “sagrado”
e/ ou do “profano”. Vale lembrar que como mulheres, sempre fomos portadoras
tanto do sagrado quanto do profano por sermos encarregadas de gerar novos seres
humanos e ao mesmo tempo objetos de prazer erótico e sexual, ou seja, vivemos
ambas as condições em nossos ventres. Talvez por isso ainda hoje algumas de nós
são cobertas por burcas ou preconceitos, vigiadas pela sociedade ou pelo medo
de pecar, mutiladas para não sentir prazer ou perder a alma. O universo
feminino sempre foi um terreno fascinante e perigoso, mas por sorte sua representação
e de seus mistérios acompanharam a evolução histórica. Ainda que em alguns
pontos do planeta muitas mulheres ainda vivam na escuridão, o mundo
contemporâneo nos premiou com uma inimaginável rede de conexões que permite um
mapeamento rico dos diferentes estágios de nosso imenso acervo humano e nos
convida a repensar sobre os silêncios, a camuflagem de sentidos, a violência de
certas práticas. Mas se hoje em dia é mais fácil perceber que não há vereditos
para nossos destinos de homens e mulheres, é sempre muito difícil encarar as
incertezas disso e abrir-se às novas formas de se viver a vida. Como mulheres e
até como pais, nos deparamos com o fato de que na tarefa de ajudar nossas
crianças a viver seu futuro temos que aceitar um “não saber”- e eles também. E
se os grandes enigmas desapareceram, eles deram lugar aos muitos e prósperos
discursos que cada um pode criar para justificar suas crenças e modos de pensar
e viver no mundo. O mundo feminino se ampliou e se diversificou. Há um sem fim
de estilos do feminino que homens e mulheres podem desfrutar ou criar para si e
deveria caber a cada um administrar sua inquietude e buscar as melhores maneiras
de se estar no mundo, com seu bônus e ônus. No entanto esta é uma experiência
disparadora de angústias, que em geral nos
faz temer habitar um mundo caótico e desorientador. Ainda assim as futuras
gerações terão que se haver com estas demandas, gerenciar a angústia do que não
sabem, aguçar sua curiosidade pelas novas possibilidades e vigiar constantemente
o desejo insistente de nomear novos/velhos tabus, repetindo a submissão a
padrões, ideais e regras imaginadas como garantias. Cabe fazer uma diferença
importante quanto ao sentido das transgressões. Há sim, as que podem ser
classificadas como perigosas ou propiciadoras de violência e caos, mas há as
que são parte integral do exercício da liberdade e compõem o campo da
transformação e da expansão do saber.
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